sábado, 2 de abril de 2011

RASHOMON (Rashomon - Japão, 1950)

Direção: Akira Kurosawa

            Em uma época em que somos bombardeados por informações sobre crimes hediondos das mais diversas naturezas fica difícil não crer que a humanidade se perdeu em meio a tanta selvageria e ignorância. Confiar na natureza dos homens é uma tarefa cada vez mais árdua, uma vez que atos como bullying, homicídios, abandonos, traições, corrupção, preconceito se esgueiram em justificativas, na maioria das vezes bizarras, cuja intenção nada mais é que tornar aceitável o intolerável no mundo contemporâneo. Após tanto desenvolvimento nos mais diversos campos de conhecimento é impossível compreender como filhos matam seus pais, pais abandonam seus filhos recém-nascidos, indivíduos atentem contra a vida de crianças por ciúmes; entretanto são fatos como tais que testemunhamos nos jornais dia a dia. Mais impossível é que, diante de uma condição como essa, não consideremos Rashomon do diretor japonês Akira Kurosawa uma obra atual mesmo após mais de cinqüenta anos desde sua realização.
            Com uma direção baseada em planos muito bem compostos e realçados por uma belíssima fotografia, o filme constrói sua estrutura dramática a partir de uma curiosa narrativa da narrativa. Como se fosse uma velha brincadeira de telefone sem fio um personagem conta diferentes versões de um mesmo crime – versões, essas, as quais foram ouvidas de suas respectivas fontes em um tipo de julgamento. Dentre as versões estão a do próprio narrador, a do criminoso, a da esposa da vítima e – pasmem – da própria vítima, que, mesmo de além-túmulo, utiliza uma médium como portadora de sua mensagem. As histórias são ouvidas atentamente por um plebeu e um sacerdote cujas reações adversas dão o clima e a crítica do filme. Enquanto o sacerdote se demonstra estarrecido com os acontecimentos, o plebeu mostra sua indiferença com mais um fato comum em uma sociedade há tanto corrompida.
            Nesse contraponto, Kurosawa nos mostra como a verdade se torna relativa, uma vez que não existem provas concretas de que alguma dessas versões seja a verdadeira. Cada personagem narra sua versão dos fatos, buscando atender aos seus interesses pessoais – omitindo alguns elementos ou valorizando-os em determinados pontos. Nesse momento surge a grande confrontação de Rashomon, quando o plebeu questiona o narrador sobre o sumiço de uma adaga valiosa da cena do crime, levantando a suspeita de que o próprio narrador não é tão honesto quanto pretende demonstrar e levando o sacerdote à dúvida sobre as esperanças que deve ou não depositar sobre a natureza humana.
            Utilizando como base para a maior parte do filme o recurso do flashback, Kurosawa adota em vários momentos a câmera como ponto de vista fundamental do desenrolar dos acontecimentos. Além disso, a fotografia usou como técnica o rebatimento da luz solar através de espelhos, de forma a refletir a iluminação diretamente nos personagens. Rashomon foi responsável por inserir o cinema japonês no cenário ocidental, trazendo juntamente a figura do diretor Akira Kurosawa, cuja carreira cinematográfica o colocaria entre os grandes cineastas da história.

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