terça-feira, 14 de julho de 2015

INTERTEXTUAL

Quando nasci, um espírito franco,
desses que vivem no além-túmulo, disse:
"Vais encontrar o mundo. Coragem para a luta!"
Foi assim, através das intertextualidades da vida...
Tornei-me vanguarda de mim mesmo.
Da flor do lácio retiro minha expressão
e, se às vezes me calo, o silêncio revela minha intenção:
Nem alegria, nem tristeza...
Poesia, então.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

KAFKIANO

Aos olhos da engrenagem, um parafuso e nada mais. Voltas, voltas sem revoltas e outra volta sem vagar. Uma missa de corpo presente constante. Não há do que reclamar, todos querem seu lugar. Tenta fugir de volta a si, mas a engrenagem insiste. Lança os dentes sobre o parafuso – tritura, engole. Em meio às ferragens retorcidas, ainda é possível visualizar a esperança perdida. Mas é muito rápido, pois a engrenagem não para de funcionar.


Mario Chris

terça-feira, 7 de julho de 2015

GOODBYE, MR. HORNER

A interrupção prematura da vida de alguém é sempre motivo de comoção entre todos. Para alguns – à proporção da proximidade afetiva – as emoções despertadas em tais momentos podem ser maiores ou menores. Curioso atentar para o fato de que, muitas vezes, essas emoções são afloradas por pessoas com as quais, a princípio, não guardamos qualquer vínculo de proximidade – são, antes de mais nada, figuras às quais nos ligamos por simpatia, admiração, decepção ou raiva. Há quase duas semanas, enquanto milhares e milhares de pessoas se comoviam ou se questionavam sobre a comoção diante da morte do jovem Cristiano Araújo, vítima de um acidente automobilístico que interrompeu sua carreira de cantor, eu ainda me via tomado pela reflexão incutida em meu íntimo pela morte também prematura do compositor James Horner, vítima de um acidente aéreo apenas dois dias antes.
Cristiano tinha a minha idade, logo não é de se estranhar que sinta um profundo pesar por uma vida interrompida em seu fluxo mais intenso, no auge do seu sucesso e de sua potência criativa (não falo apenas em sentido artístico, não conheço a obra dele a ponto de afirmar algo sobre ela, mas não posso deixar de pensar nas coisas que ele construiu em sua curta existência junto às pessoas que amava e àquelas que, talvez, nunca tenha conhecido e que, de alguma forma, foram tocadas pela sua figura).
Quanto a Horner, este compositor norte-americano de sessenta e um anos teve papel importante em minha formação pessoal. Ao receber a notícia de sua morte, fui tomado por um sentimento de vazio que não lembro ter sentido por outro artista. Um vínculo que ultrapassa a admiração parecia ter sido cortado de forma abrupta. Através de Horner, aprendi a amar a música de cinema. Era de Horner a primeira trilha sonora que escutei por completo. Era de Horner o primeiro CD de trilha sonora que ganhei em minha vida. Para que não haja dúvidas, refiro-me à trilha sonora de Titanic. À época, muitos me questionavam sobre essa admiração doida pela música instrumental contida naquele álbum, como se a única música realmente relevante fosse My heart will go on, composta por Horner, escrita por Will Jennings e entoada por Céline Dion (em franca decadência na época e cuja carreira seria resgatada pelo sucesso estrondoso do tema de amor do filme). O fato é que a canção foi executada à exaustão pela mídia – venceu o Oscar, o Globo de Ouro, o Grammy – e, provavelmente por isso, é reconhecida como uma das músicas mais irritantes de todos os tempos, embora, temos de admitir, amoleceu corações apaixonados por todo o planeta. Mas a banda sonora de Titanic ia muito além com suas composições tomadas em vários momentos pela sonoridade da gaita irlandesa e pelas vozes suaves que parecem nos transportar a uma viagem pelos mares do Atlântico Norte. A tranquilidade somente perde espaço para os acordes fortes das peças que compõem o momento do naufrágio do transatlântico.

Mais de quinze anos depois, ainda me percebo entoando de memória os acordes que abriram espaço para conhecer outros grandes nomes da música de cinema: Philip Glass, Ennio Morricone, John Williams, Bernard Herrmann, Vangelis, John Barry, Alexandre Desplat, Antônio Pinto, para citar alguns. Além disso, abriu espaço para admirar outros dos seus trabalhos ao longo dos tempos: Uma mente brilhante e Coração Valente são meus trabalhos favoritos dentre suas obras. Não poderia deixar de pensar no silêncio orquestral que se fez diante de sua morte e das inúmeras melodias que nunca escutaremos. Como forma de consolo – como forma de presente à humanidade – ficam suas riquíssimas composições, sua potência criativa e a esperança de que elas nunca sejam colocadas de lado como muitos quiseram que fizesse quando, aos onze anos de idade, ganhei minha primeira trilha sonora original de cinema.