sábado, 14 de março de 2009

PEDRO E O LOBO (Peter and the wolf – EUA; 1946)


Despretensiosamente, em uma madrugada insone, coloquei-me a assistir vídeos no youtube até chegar a esse curta-metragem assinado pelos estúdios Disney no final da década de 40. Lembro-me de ter assistido a Pedro e o Lobo quando criança, mas realmente não recordo exatamente há quanto tempo – embora presuma que haja um hiato de mais de quinze anos entre a primeira e a segunda vez que assisti ao filme. Independente disso é inacreditável a sensação de retornar a infância através do uso de uma nova mídia tal qual a internet – se não fosse o youtube, provavelmente nunca mais assistiria essa animação baseada na obra do russo Serguei Prokofiev.

Prokofiev compôs Pedro e o Lobo em um contexto de extremo controle do estado sobre a produção artística – estamos falando da União Soviética em meados da década de 30. Dizem que, no objetivo de satisfazer o governo de Stalin, o compositor criou uma obra cuja função ganharia aspectos pedagógicos; para tal Pedro e o Lobo seria uma narrativa infantil contada em música. Cada personagem seria representado pela sonoridade de um instrumento ou um conjunto deles e, dessa forma, seria possível apresentar às crianças a diversidade de instrumentos que formam uma orquestra.

Assim sendo, ao transportar a história para os traços da animação, Disney não abriu mão da premissa de Prokofiev e, antes de iniciar o fio condutor do conto, o narrador não esquece de explicar ao espectador quais instrumentos representam cada personagem. Pedro é representado pelo quarteto de cordas (geralmente dois violinos, uma viola e um violoncelo), enquanto que o Lobo se faz representar por três trompas. Os outros personagens – o avô, o pássaro Sasha, a pata Sonia, o gato Ivan e os caçadores com suas armas – são representados por um fagote, uma flauta, um oboé, um clarinete e instrumentos de percussão (tímpanos, pratos e bumbo) respectivamente. Cada instrumento é responsável por criar o motivo condutor ou leitmotiv – que seria o tema musical – de casa personagem. A simplicidade é o que permeia a narrativa, que se limita a demonstrar a aventura de uma criança russa a qual, contra as indicações de seu avô, resolve sair de casa em busca de um lobo, usando para isso apenas sua espingarda de brinquedo. No caminho, o jovem Pedro, Peter ou Pierre (como preferir) acaba encontrando um passarinho, uma pata e um gato e juntos eles irão enfrentar o lobo mau do título. Um título cuja estrutura já demonstra o maniqueísmo presente na história.

Entretanto, apesar da premissa simples, Pedro e o Lobo aborda, mesmo que de forma sutil, alguns elementos sobre amizade, infância (a imaginação é uma coisa maravilhosa) e a eterna busca de ser lembrado por algum feito (relembro a resenha sobre O Assassinato de Jesse James).

O curta Pedro e o Lobo foi produzido como parte de um longa-metragem chamado Música Maestro! cuja estrutura tentou remeter ao clássico Fantasia. Todavia, o resultado não foi semelhante e o filme – feito com baixo orçamento, tendo em vista o contexto de guerra mundial da década de 40 – não recebeu boas críticas (nem mesmo do próprio Walt Disney), sendo que Pedro e o Lobo acabou se tornando o segmento mais bem sucedido.

Já que estou me referindo a um curta, não custa nada postar o vídeo aqui no blog. São duas parte pequenas, narradas em inglês. Como eu disse no início do post: é inacreditável voltar à infância.






domingo, 8 de março de 2009

O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD (The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford – EUA; 2007)


Direção: Andrew Dominik

A História nos mostra como são usuais os casos de assassinatos envolvendo ídolos e seus fãs. Gandhi e John Lennon são exemplos recentes, ocorridos na segunda metade do século passado. Entretanto, conforme nos apresenta o filme de Dominik, esses episódios não são tão recentes. No final do século XIX, o jovem Robert Ford – um apaixonado pelas aventuras dos irmãos James – acaba por assassinar seu ídolo, Jesse James, de forma covarde, despertando na população local as mais diversas reações, dentre as quais o repúdio.

O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford não precisa ter sua premissa explicada por razões óbvias, o título do filme é, praticamente, a sinopse do mesmo. Mas o roteiro de Andrew Dominik (que assina a direção) explora muito mais que um simples ato criminoso. A narrativa vai muito além das ações físicas, explorando de forma intensa a ação psicológica da trama – o que depreende a necessidade de um trabalho muito mais cuidadoso na montagem dos personagens. E não podemos negar que as opções artísticas feitas pela dupla principal Brad Pitt (James) e Casey Affleck (Ford) são excelentes, resultando em atuações completas e que impressionam em cada olhar – reparem no olhar dos dois na cena capital e, não posso deixar de comentar a voz que Affleck impõe a Robert Ford. O elenco é extremamente correto nos mínimos detalhes e faço destaque a sempre maravilhosa Mary-Louise Parker (uma das poucas mulheres em um elenco basicamente masculino). O que me lembra que estamos dissertando sobre um filme de gênero extremamente masculino. Os antigos filmes de bang bang sempre soaram bem masculinos, com mocinhos e vilões que não se intimidavam em mostrar sua masculinidade andando a cavalo, brigando em bares ou empunhando um revólver. Os tempos mudaram e O Assassinato de Jesse James surge após um bom tempo sem grandes filmes de western para mostrar que a masculinidade não passa apenas por atos, mas também por pensamentos (não é a toa que os tiros não são freqüentes na película, aparecendo apenas quando necessários).

Estamos diante de um jovem (Ford) que nem chegou aos vinte anos e que deseja fazer algo de grandioso – o que, de certa forma, é inerente à juventude (todos queremos fazer algo para sermos lembrados – vide o Aquiles que o próprio Brad Pitt interpreta no equivocado Troia). Sua fama acaba vindo através de um ato de traição e covardia, uma vez que acaba assassinando seu ídolo e companheiro de bando. E, aqui, Dominik acerta mais uma vez em optar por demonstrar a tensão, não somente do desenvolvimento que leva ao crime, mas as consequências as quais o crime desperta. Assim, a opção de não finalizar a narrativa imediatamente após o assassinato do título é a ideal para explorar os mistérios que perseguem a psique do jovem Bob – as verdades que não conhecemos quando somos muito imaturos para a vida.

Com uma fotografia belíssima e um ritmo desacelerado, acompanhamos essa tensão psicológica que envolve a dupla que dá nome ao filme. O ato final é surpreendente – não pelos acontecimentos que já são conhecidos desde o momento em que pensamos “hoje, vou assistir O Assassinato de Jesse James”. As conversas – escassas durante todo o desenvolvimento do filme – se tornam um jogo entre James e Ford, os olhares e as ações também, levando o espectador a pensar: “até que ponto Jesse James sabia que Robert Ford o mataria?” e não consigo parar de pensar num inverso – “até que ponto Ford sabia que iria matar James?“.

Sem dúvida, O Assassinato de Jesse James foi um filme subestimado pelas premiações de cinema de 2008. Suas duas indicações ao Oscar não fazem jus a beleza ímpar desse western psicológico que conta com uma das melhores atuações da carreira de Brad Pitt e com o talento de Cassey Afleck (que, cada vez mais, me convence de ser mais talentoso que seu irmão Ben).

sábado, 7 de março de 2009

MOULIN ROUGE! – AMOR EM VERMELHO (Moulin Rouge!; EUA – 2001)


Direção: Baz Luhrmann

Seria uma grande injustiça manter este blog funcionando sem ter prestado homenagem a um de meus diretores favoritos. Algumas resenhas depois, senti que chegara a hora de discutir um dos trabalhos do diretor australiano Baz Luhrmann – e dentre eles, optei pelo mais famoso e, provavelmente, o que melhor faz jus a sua estética histriônica pop. Quase uma década após sua investida nos concursos de dança em Vem Dançar Comigo e cinco anos depois de modernizar Romeu + Julieta, Luhrmann se arriscou em um projeto bem audacioso: narrar a história de um jovem poeta inglês que se apaixona por uma cortesã francesa. Entretanto, a sua audácia não está em sua temática, uma vez que, de uma forma ou de outra, o amor é central em todos os seus projetos. A estilística utilizada para o desenvolvimento da narrativa é que chama atenção.

A primeira imagem que surge na tela é a de um palco cujas cortinas se abrem nos apresentando a já tão conhecida fanfarra da FOX. Interessante a forma como a imagem da empresa é intimamente ligada à narrativa e como Luhrmann optou por deixar claro, desde o primeiro instante, que estamos diante de uma história bem teatral. Pois bem! O título do filme, por se referir ao famoso cabaré francês, já poderia nos indicar uma certa teatralidade – afinal não podemos negar que as dançarinas (vulgo prostitutas) exercem papéis em sua profissão que remetem claramente ao teatro; em outras palavras, por que não aceitar o cabaré como uma forma de teatro? – assim sendo, só de ler as cartelas iniciais da película, já temos noção de ambiente e da estética da narrativa. Narrativa que, inclusive, se faz clara logo na primeira fala: “There was a boy” (Havia um menino), ou se preferir: era uma vez (“Once upon a time”). Interessante frisar o foco narrativo de Moulin Rouge!: um narrador conta, em terceira pessoa, a história que é contada pelo personagem principal em primeira pessoa (o boca-a-boca que Walter Benjamin caracterizava nas boas narrações).

A história se passa em Paris na virada dos séculos XIX e XX – um momento historicamente propício para revoluções nos âmbitos político, social e cultural. Christian é um jovem inglês que busca, na boemia francesa, a inspiração para seu imenso desejo de escrever sobre o amor. O fato de nunca ter amado alguém se torna um obstáculo, mas, logo que chega a Paris, acaba conhecendo um grupo de artistas cujas inclinações ideológicas vão ao encontro das dele. A relação do grupo com Chris inicia-se com uma bela junção de The Sound of Music (tema do musical A Noviça Rebelde) e Children of the Revolution (um hino da juventude revolucionária) em um número musical que inclui um símbolo do espírito revolucionário da época – o absinto (bebida que chegava ao teor alcoólico de 80%) – e um símbolo da cultura pop dos dias atuais – a cantora Kylie Minogue no papel da fada verde (apelido carinhoso da bebida). Isso tudo antes de entrarmos no cabaré que dá título ao filme. Aliás, o ritmo frenético é algo que acompanha a estrutura narrativa de Moulin Rouge!.

Ao chegarmos ao ambiente principal, o frenesi continua com a aparição sempre maravilhosa do ator Jim Broadment que dá vida a Harold Zidler, o dono do cabaré. Sua atuação é sensacional e, juntamente com John Leguizamo (que interpreta um dos artistas revolucionários, Toulousse-Lautrec) aparece como a ponta do iceberg de um elenco que realiza um trabalho muito correto. E, se pouco menciono o nome do casal protagonista (Ewan Mcgregor e Nicole Kidman) é porque suas atuações, de certa forma se apagam no conjunto. E já que falamos de aspectos técnicos, falemos sobre o que Moulin Rouge! tem de melhor: cenografia, figurino e maquiagem. As cores saltam aos olhos – um verdadeiro evento visual – conseguindo mesclar o contraste do colorido com o vermelho (cor predominante na película e presente no péssimo subtítulo que o filme recebeu nos cinemas brasileiros). Quanto à montagem, Luhrmann optou por uma estética que remete a uma das revoluções da linguagem audiovisual pop, o videoclipe, através de cortes rápidos (reparem como Zidler apresenta o cabaré olhando diretamente para o espectador como se fosse um ícone da MTV cantando em seu mais novo videoclipe). Além disso, a cultura pop está presente em números musicais pouco convencionais que incluem Nirvana, Queen e Madonna.

Voltando a narrativa. A história de Moulin Rouge! é extremamente romântica (não em sua temática, mas na forma como é desenvolvida, uma vez que remte ao estilo de época conhecido como Romantismo). Temos dois personagens que se apaixonam imediatamente, mas que sofrem com os mais diversos obstáculos para que possam desfrutar do amor que sentem um pelo outro. O olhar que Chris oferece a Satine desde o primeiro momento em que a vê, deixa clara sua paixão à primeira vista, enquanto que a cortesã se sente fisgada pelo amor logo que ouve uma das poesias do rapaz. Como qualquer obra romântica, Luhrmann não abriu mão do maniqueísmo representado pela bipolaridade Chris (o homem honrado, honesto e corajoso) e o duque (maquiavélico e invejoso). O duque surge na história como um investidor que irá financiar a vida artística de Satine em troca – é claro – de seus serviços sexuais. Típico feuilleton. E como de costume o romance envolvendo uma cortesã não é a mais aceita das relações – principalmente pela burguesia conservadora daquela época. Dessa forma, o final desse romance já é previsível (só lembrarmos do ícone do romantismo brasileiro José de Alencar e uma de suas obras mais famosas: Lucíola).

Vencedor de dois prêmios da academia, Moulin Rouge! conseguiu a façanha de ressuscitar um gênero cinematográfico que andava esquecido em Hollywood: o musical. Baz Luhrmann, apesar de nem ter sido indicado ao Oscar, conseguiu realizar seu projeto mais audacioso, permeando – sem ser enfadonho – sua estética camp, não é preciso ser melodramático para se fazer um melodrama (essa é a grande lição que este projeto nos deixa).