quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN (We need to talk about Kevin – EUA e Reino Unido, 2011)


Direção: Lynne Ramsay

            Selecionado para a mostra principal do Festival de Cannes de 2011 e exibido em sessões disputadíssimas durante o último Festival do Rio, Precisamos falar sobre o Kevin inicia sua narrativa apresentando-nos a uma Tilda Swinton transtornada – quase surtada – entregue a remédios controlados, com dificuldades para relacionar-se com os outros na rua, para arranjar emprego e vivendo em uma casa vítima de atos de vandalismo, bem como o carro que a transporta de um lado para o outro. A personagem em questão é Eva, uma mulher que sofre as conseqüências de ser mãe do executor de um massacre escolar. A película gira em torno dessa mulher e de sua relação, rememorada dois anos depois, com seu filho – aquele que dá título à história.
            Mãe de primeira viagem e, porque não pensar, diante de uma gravidez indesejada, Eva acaba por transformar a experiência da maternidade em um grande tormento e o fato de seu nome fazer referência à personagem bíblica não é gratuita – reparem na dificuldade que é o parto do pequeno Kevin. Dessa forma, a própria relação entre mãe e filho fica pautada pela frieza e, em certos momentos, pela disputa de forças – ponto em que o pai da criança, Franklin, surge para pender a balança em favor de Kevin. Sabendo disso, a criança não tem medo em lançar mão de todo um caráter calculista e possessivo, a fim de conquistar tudo que almeja. É nesse ponto que algumas ações se tornam pouco críveis, uma vez que a criança torna-se a personificação do mau, controlando suas ações no intuito de atingir Eva em sua maior fraqueza, que é a falta de controle que tem sobre ele. A maldade do rapaz parece intrínseca, como uma essência anterior a ele – em certo momento, Kevin (já mais velho), em resposta a afirmação da mãe de que ele é uma pessoa fria, questiona Eva sobre quem ele deve ter puxado, em clara tentativa de atingir a mãe.
            Inclusive, as ações ganham outra conotação quando Ezra Miller assume o papel de Kevin, às vésperas de completar dezesseis anos. Nesse momento, a personalidade do rapaz, já sustentada em uma história – mesmo que ela, no filme, se limite as relações familiares –, tem a capacidade de justificar suas ações – o ciúme que tem da irmã caçula e a simpatia com que trata o pai, sempre recompensada com algo do seu interesse. A relação entre ele e Eva ganha um sentido muito mais freudiano e, aqui, emerge a reflexão sobre as motivações que levam Kevin a planejar o massacre que realiza – afinal, a maior vítima acaba sendo a própria mãe, a qual sofre, além da culpa pelo ato criminoso do filho, com o peso da opinião pública, em especial dos pais que perderam seus filhos no episódio (interessante notar que a única pessoa que a trate bem seja um sobrevivente, ou seja, alguém que viveu a experiência com a própria pele).
            Precisamos falar sobre o Kevin, no meu ponto de vista, seria um filme genial – em função da última cena, cujo propósito é justamente lançar sobre o espectador o interesse em conhecer melhor o Kevin daquele momento diante de Eva – mas, infelizmente, a construção desse personagem, ao longo da narrativa, dificulta um pouco esse processo, fazendo com que o filme seja, apenas, muito bom.