segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD (The assassination of Jesse James by the coward Robert Ford – EUA, 2007)

Direção: Andrew Dominik
Look at my red hands and my mean face... and I wonder 'bout that man that's gone so wrong. (Jesse James)
Tem dias que me pego de volta aos vinte, refletindo sobre escolhas e atitudes – subserviente a um idealismo muitas vezes invejável, outras tantas torpe. Agarrar qualquer oportunidade para chegar ao que consideraria o topo; meu pai sempre dizia “você precisa ser o melhor”. A ideia de sucesso que se divulga na sociedade é muito mais uma cobrança extremamente castradora, uma vez que destitui o sujeito de sua individualidade em detrimento de um reconhecimento vazio proveniente do olhar do outro como se esse olhar legitimasse as conquistas de um indivíduo que busca se perder no processo. Ser bem-sucedido nesta sociedade é deixar de ser o que somos e passarmos a ser o que os outros querem que sejamos; o que constitui um problema, pois, ao nos privarmos de nossa individualidade e, por consequência, de nossa ética, ficamos capacitados a atropelar o que venha pela frente, corroborando um mal tão comum nos dias de hoje: a sociopatia. Como já disse em outras oportunidades, um olhar amadurecido sobre questões do passado põe luz a muitas questões do futuro; por essa razão resolvi revisitar O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (e agradeço a Netflix por essa experiência de sincronicidade tão rica – fazia muito tempo que este filme retornava às minhas reflexões e, não por acaso, desejava revê-lo).
Costumava dizer, nos idos de 2007 ou 2008 – quando assisti ao filme pela primeira vez – que não havia necessidade de explicar sua premissa, pois o título completo do filme (muitos o apresentam apenas como O assassinato de Jesse James) já funcionava como sinopse do mesmo. Uma injustiça, levando em consideração que a obra de Andrew Dominik (que assina o roteiro, baseado no romance de Ron Hansen) é um estudo de dois personagens, sendo um deles um fora da lei conhecido e venerado e o outro um jovem que sempre almejou entrar no bando do primeiro e vivenciar as aventuras do grupo de criminosos – algo que, supunha, traria sentido à sua existência. Robert Ford, no auge dos seus vinte anos, é um idealista que, desde criança, aprendeu a admirar e a compreender a figura dos irmãos James como heróis – ideia que será posta à prova pela realidade factual, em especial, pela convivência com James. Por outro lado, Jesse James é um homem de trinta e quatro anos que se vê diante do dilema de não poder confiar em ninguém à sua volta, sendo obrigado a uma vida nômade, percebendo sua gangue diluir-se em meio a prisões e a conflitos internos – um herói acuado, algo que alimenta os sentimentos contraditórios do jovem Ford. São, portanto, dois personagens imersos em conflitos, o que transforma a narrativa em um denso western psicológico que toca em questões como “fama, glória, nostalgia, desilusão e várias outras ideias que transmitem um sentimento de solidão”.
Robert Ford (importante reconhecer como Casey Affleck elabora uma atuação tão bela, realçando os paradoxos que preenchem um personagem que acredita tão piamente em algo que, verdadeiramente, não conhece), pode-se dizer, carrega o arco dramático da narrativa; a ele se impõe os questionamentos mais fortes da história. A desconstrução do seu ídolo é um processo delicado que vai desde o reconhecimento de coincidências banais entre os dois personagens – como que na tentativa de se convencer, através delas, que é digno da confiança do outro, construindo, assim, uma relação perigosamente passional – até a compreensão de que Jesse James é “apenas um ser humano” (fala que guarda em si um sentimento de desprezo total pela figura humana, pois é concebida como justificativa para o ato que dá título ao filme – uma das cenas mais bem dirigidas a que tive oportunidade de assistir). Ford, antes de mais nada, se convence de que é “destinado para grandes feitos”, almeja o reconhecimento e o sucesso, independente dos meios e é muito interessante acompanhar seus questionamentos a medida que fica mais velho.
As atitudes de Jesse James se encaminham em um crescente, expondo uma insegurança que, por sua vez, expõe o lado mais torpe de sua personalidade. Em certo momento da narrativa, James tortura física e psicologicamente um jovem na tentativa de obter uma resposta que nunca poderá ser dada, uma vez que ele mantém a boca de sua vítima tapada, impedindo que ela fale. Entretanto James se coloca diante dos outros como uma pessoa que está no controle da situação, chegando a causar conflito entre Ford e seu irmão (Charley), os únicos remanescentes da gangue. Curioso, portanto, refletir sobre até que ponto James sabia do desfecho de sua relação com Ford – a sequência de ações como abrir mão da arma da qual nunca se separava é sugestiva (poderia até ser considerada inverossímil, não fosse a tradição que conta a história dessa forma, vide as apresentações que os irmãos Ford realizaram pelos Estados Unidos recriando a cena). Muitos defendem que James, acuado, passou a ter pensamentos suicidas e deu as costas para Ford como quem sabia que seria traído e, além, consciente da sua condição de celebridade (sua morte foi amplamente divulgada, gerando as mais variadas reações), sabia que os irmãos Ford sofreriam em vida as consequências de carregarem nas costas a sua morte (algo que é explorado pelo ato final do filme).

Belissimamente fotografado por Roger Deakins, O assassinato de Jesse James apresenta imagens que fazem referência a uma narrativa que se diluiu no tempo e conta com uma melancólica trilha sonora de Nick Cave e Warren Ellis, evocando os sentimentos que preenchem os protagonistas (impossível separar a faixa Song for Bob da figura de Robert Ford). Filmes como este deveriam ser discutidos mais amplamente mesmo após terem sido tão subestimando à época de seu lançamento e revisitá-lo, quase dez anos depois, foi um exercício muito precioso para entender as transformações de um rapaz de vinte anos, hoje com trinta.