domingo, 25 de outubro de 2009

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA (Entre les murs - França; 2008)


Direção: Laurent Cantet

Trabalhar com educação é um dom que, na maior parte das vezes, é acompanhado por um sentimento de idealização. Impossível não refletir sobre uma profissão mal remunerada e que atrai tantos profissionais empenhados na sua realização. Apesar de pouco valorizado, o magistério é, no meu ponto de vista, uma das mais belas contribuições que um indivíduo pode oferecer a sociedade – obviamente quando bem realizada. E, a partir dessa convicção, acredito que uma pessoa se torna professor pelo prazer e pelo dom de ensinar, já que não pode esperar por altos salários. Entretanto, o professorado é uma camada de profissionais que vivem intensamente com as contradições da sociedade e os estresses provenientes destas. Por trabalhar com educação há cinco anos já passei pela experiência de acreditar que dar aula é o maior prazer que um ser humano pode possuir (e, de certa forma, ainda acredito nisso), esquecendo-se dos contras que existem nas relações escolares as quais, considero, uma das mais complexas que existe (leia-se professor, alunos, pais, instituição escolar e educação). Exemplos desses contras são inúmeros, mas só podem ser vivenciados Entre os muros da Escola.

A escola, como qualquer ambiente de interação social, é um ambiente propício a estereótipos. Entretanto, são características que brotam do ser humano a partir das experiências que possuímos ao longo de nossas vidas – são métodos de identificação, auto-afirmação, rebeldia. No caso específico do ambiente escolar, é possível perceber que essas formas de interação dão-se numa esfera micro e, portanto, mais propensas a conflitos – ainda mais se pensarmos que vamos a escola por obrigação e que os adolescentes, mais que ninguém, sentem a necessidade da identificação. O roteiro de Entre os Muros da Escola permite que o espectador vivencie essas condições por um ponto de vista duplo, um grupo de professores e uma turma de 8º ano, sem, no entanto, cair nos estereótipos tantas vezes abordados pelo cinema e televisão ou no maniqueísmo que insiste em transformar um dos lados em vilão. Optando por uma estética simples, mas, nem por isso fraca, Cantet realiza uma viagem por um período escolar sem interferir com sua câmera nas ações dos personagens, o que me remete ao filme de Gus Van Sant, Elefante. Além disso, Entre os muros da escola também se assemelha ao filme de van Sant por utilizar atores que interpretam versões deles mesmos e, por que não lembrar, por ter sido consagrado com a Palma de Ouro em Cannes.

Com essa receita, Cantet nos oferece vivenciar (insisto nesse termo, pois ao assistir Entre os muros da escola temos a sensação de estar imerso a narrativa como se fizéssemos parte da diegese do filme) os conflitos típicos da juventude e os atritos que eles podem ter com a necessidade de disciplina do colégio e, por conseqüência, dos professores. Sob a figura de François, observamos as dificuldades que os profissionais da educação possuem em atender a demanda educacional – por mais que exista boa vontade e interesse, em níveis que variam com o passar do tempo, de ambas as partes. Quando menciono demanda educacional, refiro-me a conteúdo programático, respeito dentro de sala e confiança no trabalho que realiza por parte dos pais, dos alunos e da própria instituição. François, assim como seus colegas de trabalho, dão suas aulas, se reúnem para discutir questões disciplinares, notas, conteúdo de aula, o preço do café, a gravidez de uma colega... São propensos a sentimentos, como qualquer ser humano – frustração, raiva, felicidade. Bem como seus alunos os quais têm que conviver com as contradições da idade, as dificuldades de relacionamento, os problemas domésticos e, no caso específico do filme, questões culturais como racismo e xenofobia. No meio dessa complexa rede de relações está situado o provável protagonista do filme que é a própria escola. Entre os muros da escola se torna um filme necessário, por trazer para a pauta de discussões o papel da escola e daqueles que ali convivem. Uma narrativa que torna universal uma questão que muitos pensam que é de interesse regional. Um filme que termina com duas seqüências belíssimas que demonstram como a relação professor-aluno, assim como qualquer relação, sempre será contraditória e que apesar dos problemas, essa ainda é uma das mais belas relações que podemos possuir ao longo de nossas vidas.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

LIBERDADE PARA AS BORBOLETAS (Butterflies Are Free - EUA; 1972)


Direção: Milton Katselas


Em determinado momento de Liberdade para as Borboletas, a mãe de Don Baker pergunta a Jill por quanto tempo ela esteve casada, ao passo que a jovem responde: “Seis dias”. A reação não muito espantosa da Sra. Baker se resume na fala que define a resposta que recebera: “E no sétimo dia você descansou?”. A referência bíblica não só faz parte de uma série de falas muito bem construídas que são colocadas de forma eficaz no roteiro adaptado da peça de Leonard Gershe (ele assina a versão cinematográfica também) como revela o peso moral que a personagem materna representa no desenvolvimento narrativo.
Claramente baseado no velho ditado que diz: “o amor é cego”, Liberdade para as Borboletas narra a história de um jovem rapaz deficiente visual (Don Baker) o qual sai de casa na esperança de conseguir viver por conta própria e acaba conhecendo e se relacionando pela recém-chegada vizinha (Jill). Don sai de casa para se afastar do modelo superprotetor de sua mãe – escritora de livros infantis e que usa a figura do próprio filho para criar um personagem cego com poderes que o ajudam a salvar a América de alienígenas e comunistas – mas, mesmo longe, não consegue fugir da influência materna que busca se fazer presente a todo tempo.
O personagem interpretado por Edward Albert se mostra extremamente organizado e forte com relação a sua deficiência, demonstrando – em muitos momentos – bom humor com relação à cegueira e outras deficiências (como na cena em que Ralph fala gritando com ele, mesmo sabendo que o rapaz não é surdo). A chegada de Jill (interpretada pela sempre divertida Goldie Hawn) causa um choque nessa vida organizada por trazer à tona velhas lembranças amorosas de Don e, por que não dizer, da própria Jill. Os dois jovens começam a manter uma relação extremamente forte – tudo num espaço de 24 horas até que a inesperada visita de Sra. Baker (Oscar de melhor atriz coadjuvante para Eileen Heckart) os coloca contra a parede num jogo de palavras que se desenvolve maravilhosamente ao longo da ação dramática.
A figura dos jovens apaixonados surge como representação do impulso sexual e da imaturidade que necessita de uma voz racional e moralista – muitas vezes forte e castradora – representada pela figura da Sra. Baker, a qual nunca deve ser encarada como vilã e, sim, como mãe preocupada cujas ações, por mais que sejam radicais, são guiadas pelo seu amor materno. A ela cabe a incumbência de abrir os olhos dos dois jovens, demonstrando ao filho que, apesar de se apresentar forte o suficiente para lidar com os obstáculos físicos que o cercam, ainda existem obstáculos sentimentais os quais ninguém é capaz de enxergar se não os vivenciar e encarar – elementos que formam uma das mais belas seqüências do filme. Além disso, demonstra à Jill que, embora tenha se relacionado com vários homens e até mesmo se casado e se divorciado com menos de vinte anos, tais ações se deram por imaturidade (quem sabe até pela falta que a figura paterna possui em sua vida).
Do ponto de vista técnico, interessante ressaltar que, apesar de ser uma narrativa que se desenvolve, basicamente, em um único ambiente, a iluminação cênica e a decupagem realizada pelo diretor Milton Katselas proporcionam, em vários momentos, belos planos (em especial aquele em que a Sra. Baker abraça seu filho, enquanto ele está sentado em um banco). Simples e eficaz, sensível, bem-humorado e poético – belo filme que (apesar de seus quase quarenta anos) continua atual em sua temática, a liberdade proporcionada pelo amor. E termino este texto contrapondo à temática da narrativa, uma fala da personagem Jill que é posta à prova ao longo do filme; ela diz que não quer se apaixonar, pois tal fato limita muito as pessoas e o que ela deseja é ser livre como as borboletas. Irônico o que a vida é capaz de nos revelar.

terça-feira, 28 de julho de 2009

POETA LÍRICO-AMOROSO

Provei do seu pecado
e chorei de dor
por saber que o amor
é privilégio de poucos,
banalidade de muitos
Jogado fora aos prantos,
penso no instante
em que sonhei acordado
e acordei em seus braços
abarcando-me em si
Transformava-me em puro caso,
em cujo sonho sado
nada mais era
que o maior dos pecados:
Amar sem ser amado

Mario Chris

terça-feira, 21 de julho de 2009

TEORIA DA INSANIDADE

Servos da luz, olhai-me
sois a esperança que nos resta
do futuro que nos espera
que heis de mudar
Não pensai, vós,
que mentes sãs são capazes
(Não são!)
Precisamos de mais
Insanos, sois capazes de idealizar
a nova verdade futura
da presente sociedade corrompida
Insanidade! É isso que querem
Mudai isso, Insanos, sois fortes
suficiente para terem
no futuro que vos espera
um lugar ao Sol
Servos da luz, fazei me orgulhoso
assim, não temerei o que digo
em um novo mundo construído
sem guerras e injustiças
criadas pelos sãos
que nada mais são
do que Servos da escuridão

Mario Chris


Tenho um carinho mais que especial por essa poesia, pois a escrevi ainda no segundo ano do Ensino Médio – no, não tão longínquo, ano de 2003. Engraçado que, remexendo meus arquivos, descobri que ela é uma das únicas poesias que escrevi e que estão datadas (mais precisamente 07/10/2003). Lembro que essas poesias surgiam no meio de alguma aula tediosa: geralmente as aulas de química, física, matemática ou inglês. Resolvi postá-la por ser uma das primeiras poesias que assinei com o pseudônimo Mario Chris.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Ferreira Gullar - parte 1

Ferreira Gullar é considerado o maior poeta vivo do Brasil. Na segunda vez em que estive em sua residência, acompanhado de alguns amigos de faculdade, tive a oportunidade de realizar um ótimo bate-papo sobre literatura brasileira – em especial, as tendências que ela assumiu e assume para o futuro. O poeta falou sobre Flip, religião, arte contemporânea, música, internet, além de recitar um poema de sua autoria – inédito – com o qual começo essa série de reflexões sobre Gullar.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

DEZ MINUTOS EM VISTA ALEGRE

- Dezessete anos... Você...
Dezessete anos e um pacto de vida concedido por Deus é rompido pelo estalo seco do revólver – manchado de sangue.

Pablo amanheceu diferente naquela manhã – tinha um sorriso maroto no rosto; típico da idade. Em seus poucos dezessete anos, havia experimentado muitas coisas incomuns a sua época, mas, naquele dia específico, provou a sensação de se tornar homem. Deitado ao lado da mulher que o trouxera à maturidade, orgulhava-se de ter levado ao orgasmo uma senhora casada, dezenove anos mais velha. Nem sabia direito o que era aquilo, apenas deixou que ela agisse, confiando em seus toques e movimentos. Já tinha um bom conselho para seus futuros filhos e netos.
Já tinham passado cinqüenta minutos das sete horas e Camila despertava nos braços de um passivo rapaz, que, segundo suas próprias palavras, descobrira o que era a vida momentos antes. Ela, casada, mãe de um filho caiu atraída pela precocidade do primo de seu vizinho e ignorou tanto o casamento de dez anos quanto a prole de quatro.
Nesse instante, ouviu-se o barulho da porta e os passos pesados de um saudoso marido. A sensação de sonolência sumiu rapidamente e um olhar desesperado encontrou o jovem olhar perdido de Pablo. Ele, desentendido, ouviu as palavras desencontradas de Camila e desnorteado assistiu a entrada triunfal do enganado seguida das lágrimas de raiva e da sede de vingança. Tentou levantar-se, hesitou – ainda estava sem roupas -; ouvia as tentativas de explicação da esposa infiel. Pablo busca a saída com olhares e se imaginava longe dali – onde fora se meter... Daí veio a primeira pancada – no rosto. Foi agarrado e puxado. Camila tentou segurá-lo também, mas a força do marido traído foi maior, tamanha a raiva. Contra a parede, nu, Pablo se deu conta de que estava sob a mira de um revólver – sob a mira de um homem irado.
- Acha bonito ir para a cama com a mulher dos outros? – começava a contagem regressiva.
Camila, em prantos, dividia-se entre implorar pela vida de Pablo e tentar entender o que havia saído errado em sua pulada de cerca. O marido chegou muito de repente, mal sabia ela de onde. Ele havia viajado? Estava no trabalho? Trabalhava a noite... Quem sabe? Talvez estivesse com outra mulher e esse fosse o motivo para sua traição – vingança... Não conseguia seguir uma linha de raciocínio lógica. Lembrava que trouxera Pablo consigo até seu apartamento. Chegaram tarde – passavam das duas da manhã. O pequeno Matheus acordou sossegado pelos carinhos da mãe e foi levado para sala onde conheceu um novo amigo. Pablo sentiu-se na necessidade de confortar o menino que ria, ainda que sonolento, de suas palhaçadas juvenis. Logo depois, a criança foi levada para a casa do vizinho – o primo era cúmplice da primeira noite do pequeno Pablo. Ela apertou os olhos e voltou à realidade. O marido dava tapas no pobre rapaz.
Pablo, sem palavras, deixava a mão pesada de seu futuro algoz alcançar seu rosto com raiva. Doía na face, doía na consciência. As lágrimas caíam em seu rosto – voltava a ser uma criança imatura. Camila mentiu... Ainda havia muita coisa a ser descoberta na vida. Queria apenas que aquela noite fosse perfeita e, de fato, foi. No momento mais esperado, cresceu – não podia se apresentar como uma criança, apesar do nervosismo impedir; ela gostou. E, disso, ele se orgulhava. Quantos podiam contar a história que ele poderia a partir daquele dia. Não podia. Tinha convicção de que não sairia vivo dali e chorava por isso.
- Quantos anos?
- Dezessete, Paulo. Pelo amor de deus...
- Não falei com você...
Então esse era o nome dele. Finalmente havia sido apresentado ao amante de sua esposa. Talvez ele já soubesse seu nome, deviam ter rido durante toda a noite: “aquele corno”. Paulo não tirava sua arma da cara daquele ridículo bebê chorão. Só não entendia o que havia acontecido de errado em seu casamento. Um garoto de dezessete anos na cama com sua esposa. E seu filho onde estaria? Olhou atentamente para sua vítima e percebeu que parara de bater nele. O rosto a sua frente estava bem avermelhado – pelas pancadas, pelo choro interminável. Seus sentimentos misturavam-se, não movia o revólver um centímetro sequer. Como aquele garoto pudera fazer isso? Olhou atentamente nos olhos do pequeno, esbanjava ódio:
- Dezessete anos... Você...
Dezessete anos e um pacto de vida concedido por Deus é rompido pelo estalo seco do revólver – manchado de sangue. Pablo, de olhos fechados, caiu encolhido no canto com a terrível sensação de ser encontrado nu pela perícia. Ele podia ao menos tê-lo deixado colocar as roupas – a morte seria mais digna:
- Foi sua primeira vez, não foi?
O jovem abriu os olhos e enxergou, de baixo para cima, Paulo a sua frente. Sobre a cama, o sangue de Camila manchava os lençóis e, na rua, já dava para ouvir as manifestações de espanto que acordou todo o quarteirão. Ainda espantado, ainda com lágrimas saindo dos olhos, Pablo acenou que sim:
- Some daqui antes que eu me arrependa do que eu fiz e eu sei que eu vou me arrepender.
Tremendo de medo, o pequeno Pablo pegou suas roupas e saiu – sem reação nenhuma. Sem reação quando viu Camila tirando o vestido; sem reação quando sentiu-se dominado por ela; sem reação quando o marido chegou; sem reação... Pecou, ejaculou, morreu, renasceu... Quantas experiências para os futuros filhos e netos.
Do lado de fora, muitas pessoas se aglomeravam ao redor do prédio – não conseguiu olhar ninguém. Apenas caminhava sem redirecionar os olhos para lado algum. A sua frente, o comércio despertava para mais um dia de trabalho – eram oito da manhã e Pablo já havia visitado o céu e o inferno, duas vezes.

MARIO CHRIS

quinta-feira, 25 de junho de 2009

POETA DAS MIL FACES

Senta a meu lado
pede uma bebida
Só te peço, por favor,
não acende teu cigarro
incomoda-me a fumaça
Puxa um assunto
ilumina-me em versos
para que entenda, a fundo,
como é possível um só homem
ter mil faces
no espaço de um segundo

(Mario Chris)

domingo, 24 de maio de 2009

POETA INCOMPLETO

Diante de mim
Olhando em si
Descubro, sim
O que só enxergo nos outros
E percebo que sou,
Em completo,
Um sujeito incompleto
Pois sou incapaz de entender
O sentido que represento
Perante mim mesmo

(Mario Chris)

O POETA DO ANTI-AMOR

Diante do espelho observa

atentamente espera

Olha nos olhos

Sente

Diante do espelho admira

E o frio se apresenta

subindo a espinha, comunica

O amor chegou

Diante do espelho fixa

a paixão duradoura

e o corpo treme

Medo

Diante do espelho joga

A esperança de ante, infante

que o amor é eterno

Mentira

E será diante do espelho

em cacos cortantes, notará

que o reflexo é inverso

de tudo que lhe está perante

É a vida.

(Mario Chris)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

NA NATUREZA SELVAGEM (Into the Wild – EUA; 2007)

Direção: Sean Penn

Somos sujeitos sociais construídos através de uma lógica cultural anterior a nós mesmos, que nos impõe um conjunto de relações cuja constituição interpola a nossa condição de indivíduo, lançando-nos a hierarquizar nossas decisões – privilegiando a exterioridade e a vergonha em detrimento da interioridade e culpa. As circunstâncias da vida social, ao longo do desenvolvimento de si, impedem um mergulho profundo no que diz respeito à autoconsciência e à descoberta individual – é como ser anti-social, anormal, considerado autista. Até que ponto esse desconhecimento imposto nos é prejudicial? Até que ponto abrir mão do que nos é dado pela sociedade pode nos libertar? Libertar-se da sociedade, de certa forma, parece ser aprisionar-se em si mesmo e, ao que parece, saber dosar essa dicotomia sujeito-indivíduo é o caminho certo para a auto-realização. A verdadeira felicidade [que preenche o indivíduo tal como ele é] só é possível quando partilhada [com aqueles que nos preenchem como sujeito].

Em 1990, logo após sua graduação, o jovem Christopher McCandless deixou para trás tudo que conhecia – incluindo família, economias e amigos – em busca de sua grande aventura rumo ao Alasca, onde pretendia viver junto à natureza (leia-se descobrir a si mesmo). Assumindo o pseudônimo de Alexander Supertramp – uma clara evidência de que o rapaz buscava fugir, não apenas de sua condição de sujeito construída ideologicamente, mas também de seu passado familiar – Chris viaja pelos EUA conhecendo diferentes personalidades com as quais aprende novas visões da vida, além de semear seu conhecimento durante o percurso. Entretanto, o projeto de vida de Chris, somado a sua inexperiência juvenil, acaba por cegar o rapaz, impedindo que ele reflita sobre as suas ações e as conseqüências que elas tomaram – na verdade, a reflexão só surge, de fato, quando é tarde demais. Durante dois anos, Chris buscou na benevolência da natureza, aquilo que ele não encontrou em sua vida – em meio às turbulências familiares e obrigações sociais. Ironicamente, a própria natureza impôs ao jovem tal reflexão, através de seu domínio sobre a natureza humana (não posso deixar de reparar a forma como o título do filme, nos créditos iniciais, ganha forma sobre a pequena figura do jovem caminhando pelo Alasca, dominando o plano de forma imponente).

Sean Penn esperou dez anos para poder levar a cabo esse projeto, baseado no livro de Jon Krakauer. O diretor, que também assina o roteiro, procurou esperar o tempo ideal para a realização do longa, aguardando o momento em que a família do rapaz ficaria a vontade em ver a história do filho nas telas de cinema. Inicialmente, o projeto contaria com a presença de Leonardo Di Caprio no papel principal. Felizmente, os anos de espera, impossibilitaram sua utilização na trama e o ator Emile Hirsch foi o selecionado para tal (e que o faz de forma completa, tanto na transformação que o personagem sofre física e psicologicamente, quanto na consciência que o rapaz tem dessas mudanças). A trilha é assinada pelo vocalista do Pearl Jam, Eddie Vedder, e assume um papel fundamental na narrativa, no que posso dizer ser uma das melhores trilhas dos últimos tempos. As belas atuações daqueles que surgem como coadjuvantes da história nos levam a reparar a forma como todos se identificam com os atos e decisões do rapaz – aliás quem não se identifica?

Finalizo essa resenha com uma percepção pessoal. Depois de anos estudando linguagem audiovisual, sintaxe cinematográfica, edição, dentre outros elementos da estrutura fílmica, perdi um pouco da sensibilidade no que diz respeito a viajar com a narrativa – sempre estando atento aos elementos técnico-narrativos. Na Natureza Selvagem surgiu para quebrar com isso. De fato, torna-se impossível não se deixar levar pela simpatia de Chris e sua história e tomar-se pelo intuito de refletir sobre as condições que nos cercam a todo tempo.

sábado, 14 de março de 2009

PEDRO E O LOBO (Peter and the wolf – EUA; 1946)


Despretensiosamente, em uma madrugada insone, coloquei-me a assistir vídeos no youtube até chegar a esse curta-metragem assinado pelos estúdios Disney no final da década de 40. Lembro-me de ter assistido a Pedro e o Lobo quando criança, mas realmente não recordo exatamente há quanto tempo – embora presuma que haja um hiato de mais de quinze anos entre a primeira e a segunda vez que assisti ao filme. Independente disso é inacreditável a sensação de retornar a infância através do uso de uma nova mídia tal qual a internet – se não fosse o youtube, provavelmente nunca mais assistiria essa animação baseada na obra do russo Serguei Prokofiev.

Prokofiev compôs Pedro e o Lobo em um contexto de extremo controle do estado sobre a produção artística – estamos falando da União Soviética em meados da década de 30. Dizem que, no objetivo de satisfazer o governo de Stalin, o compositor criou uma obra cuja função ganharia aspectos pedagógicos; para tal Pedro e o Lobo seria uma narrativa infantil contada em música. Cada personagem seria representado pela sonoridade de um instrumento ou um conjunto deles e, dessa forma, seria possível apresentar às crianças a diversidade de instrumentos que formam uma orquestra.

Assim sendo, ao transportar a história para os traços da animação, Disney não abriu mão da premissa de Prokofiev e, antes de iniciar o fio condutor do conto, o narrador não esquece de explicar ao espectador quais instrumentos representam cada personagem. Pedro é representado pelo quarteto de cordas (geralmente dois violinos, uma viola e um violoncelo), enquanto que o Lobo se faz representar por três trompas. Os outros personagens – o avô, o pássaro Sasha, a pata Sonia, o gato Ivan e os caçadores com suas armas – são representados por um fagote, uma flauta, um oboé, um clarinete e instrumentos de percussão (tímpanos, pratos e bumbo) respectivamente. Cada instrumento é responsável por criar o motivo condutor ou leitmotiv – que seria o tema musical – de casa personagem. A simplicidade é o que permeia a narrativa, que se limita a demonstrar a aventura de uma criança russa a qual, contra as indicações de seu avô, resolve sair de casa em busca de um lobo, usando para isso apenas sua espingarda de brinquedo. No caminho, o jovem Pedro, Peter ou Pierre (como preferir) acaba encontrando um passarinho, uma pata e um gato e juntos eles irão enfrentar o lobo mau do título. Um título cuja estrutura já demonstra o maniqueísmo presente na história.

Entretanto, apesar da premissa simples, Pedro e o Lobo aborda, mesmo que de forma sutil, alguns elementos sobre amizade, infância (a imaginação é uma coisa maravilhosa) e a eterna busca de ser lembrado por algum feito (relembro a resenha sobre O Assassinato de Jesse James).

O curta Pedro e o Lobo foi produzido como parte de um longa-metragem chamado Música Maestro! cuja estrutura tentou remeter ao clássico Fantasia. Todavia, o resultado não foi semelhante e o filme – feito com baixo orçamento, tendo em vista o contexto de guerra mundial da década de 40 – não recebeu boas críticas (nem mesmo do próprio Walt Disney), sendo que Pedro e o Lobo acabou se tornando o segmento mais bem sucedido.

Já que estou me referindo a um curta, não custa nada postar o vídeo aqui no blog. São duas parte pequenas, narradas em inglês. Como eu disse no início do post: é inacreditável voltar à infância.






domingo, 8 de março de 2009

O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD (The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford – EUA; 2007)


Direção: Andrew Dominik

A História nos mostra como são usuais os casos de assassinatos envolvendo ídolos e seus fãs. Gandhi e John Lennon são exemplos recentes, ocorridos na segunda metade do século passado. Entretanto, conforme nos apresenta o filme de Dominik, esses episódios não são tão recentes. No final do século XIX, o jovem Robert Ford – um apaixonado pelas aventuras dos irmãos James – acaba por assassinar seu ídolo, Jesse James, de forma covarde, despertando na população local as mais diversas reações, dentre as quais o repúdio.

O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford não precisa ter sua premissa explicada por razões óbvias, o título do filme é, praticamente, a sinopse do mesmo. Mas o roteiro de Andrew Dominik (que assina a direção) explora muito mais que um simples ato criminoso. A narrativa vai muito além das ações físicas, explorando de forma intensa a ação psicológica da trama – o que depreende a necessidade de um trabalho muito mais cuidadoso na montagem dos personagens. E não podemos negar que as opções artísticas feitas pela dupla principal Brad Pitt (James) e Casey Affleck (Ford) são excelentes, resultando em atuações completas e que impressionam em cada olhar – reparem no olhar dos dois na cena capital e, não posso deixar de comentar a voz que Affleck impõe a Robert Ford. O elenco é extremamente correto nos mínimos detalhes e faço destaque a sempre maravilhosa Mary-Louise Parker (uma das poucas mulheres em um elenco basicamente masculino). O que me lembra que estamos dissertando sobre um filme de gênero extremamente masculino. Os antigos filmes de bang bang sempre soaram bem masculinos, com mocinhos e vilões que não se intimidavam em mostrar sua masculinidade andando a cavalo, brigando em bares ou empunhando um revólver. Os tempos mudaram e O Assassinato de Jesse James surge após um bom tempo sem grandes filmes de western para mostrar que a masculinidade não passa apenas por atos, mas também por pensamentos (não é a toa que os tiros não são freqüentes na película, aparecendo apenas quando necessários).

Estamos diante de um jovem (Ford) que nem chegou aos vinte anos e que deseja fazer algo de grandioso – o que, de certa forma, é inerente à juventude (todos queremos fazer algo para sermos lembrados – vide o Aquiles que o próprio Brad Pitt interpreta no equivocado Troia). Sua fama acaba vindo através de um ato de traição e covardia, uma vez que acaba assassinando seu ídolo e companheiro de bando. E, aqui, Dominik acerta mais uma vez em optar por demonstrar a tensão, não somente do desenvolvimento que leva ao crime, mas as consequências as quais o crime desperta. Assim, a opção de não finalizar a narrativa imediatamente após o assassinato do título é a ideal para explorar os mistérios que perseguem a psique do jovem Bob – as verdades que não conhecemos quando somos muito imaturos para a vida.

Com uma fotografia belíssima e um ritmo desacelerado, acompanhamos essa tensão psicológica que envolve a dupla que dá nome ao filme. O ato final é surpreendente – não pelos acontecimentos que já são conhecidos desde o momento em que pensamos “hoje, vou assistir O Assassinato de Jesse James”. As conversas – escassas durante todo o desenvolvimento do filme – se tornam um jogo entre James e Ford, os olhares e as ações também, levando o espectador a pensar: “até que ponto Jesse James sabia que Robert Ford o mataria?” e não consigo parar de pensar num inverso – “até que ponto Ford sabia que iria matar James?“.

Sem dúvida, O Assassinato de Jesse James foi um filme subestimado pelas premiações de cinema de 2008. Suas duas indicações ao Oscar não fazem jus a beleza ímpar desse western psicológico que conta com uma das melhores atuações da carreira de Brad Pitt e com o talento de Cassey Afleck (que, cada vez mais, me convence de ser mais talentoso que seu irmão Ben).

sábado, 7 de março de 2009

MOULIN ROUGE! – AMOR EM VERMELHO (Moulin Rouge!; EUA – 2001)


Direção: Baz Luhrmann

Seria uma grande injustiça manter este blog funcionando sem ter prestado homenagem a um de meus diretores favoritos. Algumas resenhas depois, senti que chegara a hora de discutir um dos trabalhos do diretor australiano Baz Luhrmann – e dentre eles, optei pelo mais famoso e, provavelmente, o que melhor faz jus a sua estética histriônica pop. Quase uma década após sua investida nos concursos de dança em Vem Dançar Comigo e cinco anos depois de modernizar Romeu + Julieta, Luhrmann se arriscou em um projeto bem audacioso: narrar a história de um jovem poeta inglês que se apaixona por uma cortesã francesa. Entretanto, a sua audácia não está em sua temática, uma vez que, de uma forma ou de outra, o amor é central em todos os seus projetos. A estilística utilizada para o desenvolvimento da narrativa é que chama atenção.

A primeira imagem que surge na tela é a de um palco cujas cortinas se abrem nos apresentando a já tão conhecida fanfarra da FOX. Interessante a forma como a imagem da empresa é intimamente ligada à narrativa e como Luhrmann optou por deixar claro, desde o primeiro instante, que estamos diante de uma história bem teatral. Pois bem! O título do filme, por se referir ao famoso cabaré francês, já poderia nos indicar uma certa teatralidade – afinal não podemos negar que as dançarinas (vulgo prostitutas) exercem papéis em sua profissão que remetem claramente ao teatro; em outras palavras, por que não aceitar o cabaré como uma forma de teatro? – assim sendo, só de ler as cartelas iniciais da película, já temos noção de ambiente e da estética da narrativa. Narrativa que, inclusive, se faz clara logo na primeira fala: “There was a boy” (Havia um menino), ou se preferir: era uma vez (“Once upon a time”). Interessante frisar o foco narrativo de Moulin Rouge!: um narrador conta, em terceira pessoa, a história que é contada pelo personagem principal em primeira pessoa (o boca-a-boca que Walter Benjamin caracterizava nas boas narrações).

A história se passa em Paris na virada dos séculos XIX e XX – um momento historicamente propício para revoluções nos âmbitos político, social e cultural. Christian é um jovem inglês que busca, na boemia francesa, a inspiração para seu imenso desejo de escrever sobre o amor. O fato de nunca ter amado alguém se torna um obstáculo, mas, logo que chega a Paris, acaba conhecendo um grupo de artistas cujas inclinações ideológicas vão ao encontro das dele. A relação do grupo com Chris inicia-se com uma bela junção de The Sound of Music (tema do musical A Noviça Rebelde) e Children of the Revolution (um hino da juventude revolucionária) em um número musical que inclui um símbolo do espírito revolucionário da época – o absinto (bebida que chegava ao teor alcoólico de 80%) – e um símbolo da cultura pop dos dias atuais – a cantora Kylie Minogue no papel da fada verde (apelido carinhoso da bebida). Isso tudo antes de entrarmos no cabaré que dá título ao filme. Aliás, o ritmo frenético é algo que acompanha a estrutura narrativa de Moulin Rouge!.

Ao chegarmos ao ambiente principal, o frenesi continua com a aparição sempre maravilhosa do ator Jim Broadment que dá vida a Harold Zidler, o dono do cabaré. Sua atuação é sensacional e, juntamente com John Leguizamo (que interpreta um dos artistas revolucionários, Toulousse-Lautrec) aparece como a ponta do iceberg de um elenco que realiza um trabalho muito correto. E, se pouco menciono o nome do casal protagonista (Ewan Mcgregor e Nicole Kidman) é porque suas atuações, de certa forma se apagam no conjunto. E já que falamos de aspectos técnicos, falemos sobre o que Moulin Rouge! tem de melhor: cenografia, figurino e maquiagem. As cores saltam aos olhos – um verdadeiro evento visual – conseguindo mesclar o contraste do colorido com o vermelho (cor predominante na película e presente no péssimo subtítulo que o filme recebeu nos cinemas brasileiros). Quanto à montagem, Luhrmann optou por uma estética que remete a uma das revoluções da linguagem audiovisual pop, o videoclipe, através de cortes rápidos (reparem como Zidler apresenta o cabaré olhando diretamente para o espectador como se fosse um ícone da MTV cantando em seu mais novo videoclipe). Além disso, a cultura pop está presente em números musicais pouco convencionais que incluem Nirvana, Queen e Madonna.

Voltando a narrativa. A história de Moulin Rouge! é extremamente romântica (não em sua temática, mas na forma como é desenvolvida, uma vez que remte ao estilo de época conhecido como Romantismo). Temos dois personagens que se apaixonam imediatamente, mas que sofrem com os mais diversos obstáculos para que possam desfrutar do amor que sentem um pelo outro. O olhar que Chris oferece a Satine desde o primeiro momento em que a vê, deixa clara sua paixão à primeira vista, enquanto que a cortesã se sente fisgada pelo amor logo que ouve uma das poesias do rapaz. Como qualquer obra romântica, Luhrmann não abriu mão do maniqueísmo representado pela bipolaridade Chris (o homem honrado, honesto e corajoso) e o duque (maquiavélico e invejoso). O duque surge na história como um investidor que irá financiar a vida artística de Satine em troca – é claro – de seus serviços sexuais. Típico feuilleton. E como de costume o romance envolvendo uma cortesã não é a mais aceita das relações – principalmente pela burguesia conservadora daquela época. Dessa forma, o final desse romance já é previsível (só lembrarmos do ícone do romantismo brasileiro José de Alencar e uma de suas obras mais famosas: Lucíola).

Vencedor de dois prêmios da academia, Moulin Rouge! conseguiu a façanha de ressuscitar um gênero cinematográfico que andava esquecido em Hollywood: o musical. Baz Luhrmann, apesar de nem ter sido indicado ao Oscar, conseguiu realizar seu projeto mais audacioso, permeando – sem ser enfadonho – sua estética camp, não é preciso ser melodramático para se fazer um melodrama (essa é a grande lição que este projeto nos deixa).