quinta-feira, 17 de julho de 2008

Kitsch e Camp

Conforme prometido no post sobre o conceito de “observador passivo”, disponibilizo uma parte de um trabalho acadêmico realizado por mim e mais três colegas de faculdade para a disciplina de Teoria da Comunicação III no ano de 2006. É um texto onde discorremos sobre o conceito de “kitsch” contrapondo a ele o conceito de “camp”. Obviamente não deixarei de dar os respectivos créditos aos colegas Cizenando Cipriano, Pedro Veríssimo e Mariana Granja que formaram o grupo comigo. Para maiores considerações sobre o tema, indico os textos “Estrutura do Mal Gosto” presente no livro “Apocalípticos e Integrados” de Umberto Eco e “Notas sobre o Camp” de Susan Sontag. (O texto está postado exatamente como foi entregue no trabalho)

Uma obra de arte, por si só, produz certo efeito nas pessoas que a observam. Esse efeito pode ser demonstrado através de diversas reações, que vão do amor ao ódio, da atração ao repúdio, e prova que a obra de arte, de certa forma, interagiu com o espectador. Mas a obra de arte não é a única saída quando se deseja provocar reações nas pessoas. Há certas estratégias e modos de abordar o observador que tentam produzir efeito semelhante ao da obra de arte, sem, contudo, necessitar da complexidade e da exigência de pensamento que ela precisa. O nome dado às obras que aplicam essa, entre outras estratégias, é kitsch. Enquanto uma obra de arte exige trabalho intelectual, essas falsas obras pulam essa etapa, e armam modos de trazer diretamente as conseqüências, o sentimento, de uma forma mais fácil e simples, dando os resultados “nas mãos do espectador”, sem exigir dele um trabalho intelectual complexo. Contudo, o kitsch se apresenta como verdadeira obra de arte, e afirma, inclusive, estar aperfeiçoando e incluindo conhecimentos importantes na vida de quem o observa. Provocar sentimentos, embora seja comum nessas falsas obras, não significa, de forma nenhuma, que seja restrito a elas. Na verdade, a obra de arte provoca efeitos psicológicos no espectador e pode ser dona de múltiplas interpretações, por exigir pensamento e reflexão a toda hora. Ao contrario do kitsch, que por fornecer o resultado pronto para o espectador, sendo ostensivo e auto-evidente, não abre opções para diferentes interpretações da obra.

É possível fazer uma correlação entre kitsch e cultura de massa, e conseqüentemente, entre as obras de arte e as vanguardas. O kitsch é um advento do processo de industrialização e urbanização da sociedade – ou seja, vem no bojo da formação de uma cultura de massa. Com a mudança do cenário de poder e a ascensão da classe burguesa, esta necessitava afirmar-se socialmente – e é na cultura que estão os referenciais gerais de uma sociedade; logo, uma solução encontrada foi fazê-lo através da apreciação e produção de arte, tão cara à aristocracia.

O mercado em construção fez o elo entre a apreciação da arte e seus novos consumidores. Esta mediação, através do kitsch, é uma maneira de fazer a partir de um pedaço ou característica de obra de arte, fora de seu contexto de origem, produzir um outro produto cultural e fazer o espectador supor estar aproveitando uma obra de arte. São despertadas no espectador sensações primárias e, a partir da identificação de gosto, o espectador sente-se satisfeito e demanda cada vez mais daquele tipo de experiência, que para ele está no registro de apreciação artística, enquanto no nível mercadológico é uma produção comercial; daí o kitsch passar a ser denominado de pseudo-arte pelos artistas modernos e depois (o fenômeno do kitsch é do século XIX, apesar do termo ser anterior).

Este caminho de apreciação de “arte”, que sublima as dificuldades que o espectador tende a encontrar na apreciação de uma obra de arte – dado os múltiplos significados nos quais ela pode implicar –, torna-se mera fuga do cotidiano, lazer para depois de um dia de trabalho (o que mostra sua origem na da sociedade industrial): a experiência estética falsa cria a ilusão no espectador de fruição artística.

Enquanto as vanguardas trabalham com as causas, e o modo como algo pode ser provocado e produzido, o kitsch trabalha com os resultados, coletando as reações e as transformando, através de um percurso mais simplista, em reações sem a causa original. Isso porque, como já foi dito, o kitsch vai querer provocar os efeitos da obra sem a complexidade que ela exige, e por isso tende ao exagero e à redundância, muitas vezes.

Entretanto, o kitsch ganhou uma visão na pós-modernidade que nos leva a uma possível reavaliação do seu conceito. Ganha espaço o conceito de camp como uma visão de mundo; determinada sensibilidade presente em alguns indivíduos que permite um olhar irônico sobre o que é considerado kitsch. Não são todos que têm essa sensibilidade e, portanto, muitos vão enxergar essa tentativa de ironia como sendo kitsch. Tal caso ocorre com filmes como Moulin Rouge! que, mesmo com o olhar camp, acaba sendo avaliado como kitsch, pois quem avalia não tem a capacidade de enxergar a intenção de Baz Luhrmann a qual era ser exagerado, confrontando a pecaminosa realidade do famoso cabaré francês do início do século XX e aproximá-lo da nossa realidade atual, lançando mão de músicas de Madonna, Nirvana, Elton John, entre outros – um verdadeiro choque de culturas exageradamente kitsch (enquanto modo de fazer) para quem vê seriamente e perfeitamente camp para quem sente.

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