segunda-feira, 14 de julho de 2008

Elefante (Elephant - EUA, 2003)


Direção: Gus Van Sant

Esse, talvez, seja o filme mais controverso que já tive a experiência de assistir. Ou você ama, ou você odeia. Entretanto, a maioria das críticas negativas que li sobre esta produção usa como argumento o fato de o filme ser chato. Obviamente todos têm o direito de pensar o que quiser sobre o filme e, de fato, Elefante não é um filme que trabalhe com os atrativos dos grandes blockbusters norte-americanos – não é um filme com ação (repare no tom diferenciado usado, uma vez que devemos separar os significados que o termo “ação” adquire no cinema para o senso comum e para os estudiosos da área – para o senso comum, a ação está ligada às explosões e outras situação catárticas que levem o espectador a um orgasmo visual. Já para os estudiosos a ação está ligada ao drama e à necessidade dramática do personagem, todos os meios e aprendizados pelos quais o personagem passa ao longo da narrativa é chamada ação dramática.). Na verdade, Elefante está longe de ser um filme hollywoodiano, apesar de ter como diretor uma figura conhecida de Hollywood – Gus Van Sant (indicado ao Oscar em 97 pelo filme Gênio Indomável). Entretanto, o argumento de que um filme é chato não pode ser usado como base para afirmar que um filme é ruim (filme chato e filme ruim são coisas completamente diferentes). A verdade é que Van Sant vem realizando, nos últimos anos, alguns projetos experimentais, dentre eles: Elefante.

A história é bem conhecida de todos. Acompanhamos um dia, supostamente, comum em uma escola dos Estados Unidos. Observamos o comportamento dos alunos em seu cotidiano escolar e as relações que existem entre eles – tudo normal, não fosse o fato de que dois alunos entram armados no colégio e acabam por se divertirem, atirando nos alunos e professores e terminando por tirar as próprias vidas. O ponto alto deste filme – e sem dúvida alguma seu grande diferencial – é o fato de Gus Van Sant ousar; ousadia é algo que eu admiro muito em trabalhos cinematográficos. Apesar de muitos considerarem Van Sant um grande charlatão, devo tirar o chapéu pela sua coragem – a base de sua ousadia é pouco clara a princípio, portanto ponho-me a refletir.

Elefante é um filme sobre a mente humana e suas reações nem sempre usuais aos estímulos da sociedade. Acompanhamos, ao longo da película, a história de alguns adolescentes – exatamente aqueles que terão seu destino traçado no fatídico dia comum. Cada um realiza suas ações cotidianas – seja tirar fotos ou vomitar no banheiro – e vamos acompanhando cada uma dessas ações sem interferir em nada (a câmera nunca ou quase nunca se coloca entre os personagens, creio, inclusive, que não há plano e contra-plano em Elefante e, se houver, é muito pouco). Assim como a mente humana, não existe lógica na cronologia dos ocorridos. Somos jogados do presente para o passado em vários momentos, afinal estamos acompanhando vários adolescentes que nem sempre estão no mesmo local ao mesmo tempo, mas que realizam suas ações no mesmo momento – a edição do filme inclusive é muito bacana, uma vez que, ao mesmo tempo em que nos leva e trás no tempo em questão de momentos, é capaz de nos fazer acompanhar vagarosamente os passos de cada aluno. Essas confusões cronológicas nos levam exatamente às mentes mais confusas do filme (será?): Erick e Alex. Os dois rapazes são constantemente humilhados pelos colegas durante as aulas e, possivelmente, só possuem um ao outro – já que nos parece claro que nem em casa eles têm atenção necessária. A questão é: quem nunca foi zoado pelos colegas da escola? Mas a mente humana é absurdamente ilógica. O que para uns pode ser motivo de risadas, para esses rapazes é motivo o suficiente para planejar uma carnificina. Mais uma vez, a câmera não interfere e somos apenas observadores – Alex toca piano, Erick joga vídeo game (por sinal um jogo de tiros o qual, ouvi dizer, foi criado especialmente para o filme, já que havia o intuito de não usar um jogo já existente) e o tempo passa... Estamos diante de dois rapazes que passaram pela vida sem aproveitar – sem amigos, sem carinho, vivendo em um ambiente socialmente frio e, ainda por cima, vítimas do preconceito e das piadas dos colegas de sala. Não é de se admirar que sejam mentes perturbadas e facilmente manipuladas por valores vis e insanos. Mas eles não são os únicos.

Ao longo da narrativa acompanhamos o dia de vários adolescentes que sofrem do mesmo vazio – a diferença está nos meios pelos quais eles conseguem dar sentido as suas vidas (fotografando, trabalhando na biblioteca, sendo do time de futebol da escola). John, o primeiro personagem a que somos apresentados é um jovem que sofre com problemas em casa e na escola e, no entanto, ele é alvo da única ação realmente sincera: o choro seguido por um beijo no rosto (simplesmente um beijo no rosto) dado por uma menina que sente realmente a necessidade de ajudar alguém (ela faz parte do grupo da escola que discute os direitos dos homossexuais). John e a menina também parecem ser os únicos personagens que possuem maior vínculo com aqueles que estão ao seu redor – acompanhamos isso ao longo do filme nas conversas da jovem com os outros integrantes do grupo homossexual e nos encontros de John com outros alunos da escola e a forma como eles se relacionam.

Outro destaque é o trio de meninas bulímicas, que representam mais uma das pressões de nossa sociedade – a importância de se encaixar no padrão de beleza vigente. Como vemos são inúmeras pressões e as formas como lidamos com elas podem ser em diversos aspectos ilógicas. Ressalto, também, um momento da narrativa que envolve um personagem negro - Van Sant ousou em criar uma mínima sensação de catarse no público e castrou essa sensação. Elefante é um filme reflexivo e não um filme feito com o intuito de levar o espectador ao orgasmo – ele quer gerar perguntas e não oferecer respostas. Refletir sobre uma sociedade que, cada vez mais, perde os valores de união e se fecham em seus mundos e neuroses e só aparecem aos olhos alheios quando explodem em atos de desespero. Irônico que quando isso acontece o pensamento usual é: em que mundo nós vivemos?

E já que mencionei o nome de Van Sant, passo a observar também as escolhas estéticas feitas para o filme. Já mencionei o fato de a câmera buscar não interferir na ação dos personagens e dela acompanhar e vários momentos o movimento dos personagens – planos onde não vemos o rosto de quem anda, referência aos jogos de computador onde só vemos as mãos e as armas do personagem. Temos também a edição de som muito curiosa, onde, em alguns casos, um som distante parece estar próximo. Admiro muito esse trabalho pela ousadia e agradeço aos jurados de Cannes por terem agraciado Elefante com a Palma de Ouro em 2003 – creio que nunca teria a oportunidade de assistir a essa aula de linguagem cinematográfica, caso esse filme não fosse premiado na França um dia.

Nenhum comentário: