Nos últimos meses, as manchetes jornalísticas estão nos apresentando a dura realidade em que vivemos. Não é novidade para ninguém a escalada da violência nos grandes centros urbanos, ainda mais quando se trata de minha cidade natal, o Rio de Janeiro. Confesso, com profunda revolta, o quanto é triste ver uma cidade com tamanhos potenciais naturais, culturais e, por conseqüência, turísticos estar entregue aos jogos políticos (leia-se burocráticos, corruptos e, principalmente, impunes) cujos resultados se refletem em violência e sofrimento sem que uma opção devidamente benéfica seja discutida. Os seguidos desastres nas ações daqueles que, supostamente, deveriam nos transmitir a sensação de segurança (e as repercussões desses atos na própria corporação e na sociedade) me obrigam a essa reflexão... mais que uma reflexão carioca (com o chiado no s), uma reflexão de um cidadão brasileiro sobre dois bens da natureza que sofrem com essa situação – a bela cidade em que moro e as vidas de vários inocentes que foram perdidas e que, infelizmente, ainda irão se perder. Uma criança de três anos foi morta por policiais (na verdade foi executada) em uma ação absurdamente errônea, próxima a uma delegacia e - porque não lembrar? - a poucos quarteirões da minha residência. Poucos dias depois, um homem é morto a tiros durante uma perseguição policial. Os policiais imaginavam ser, o homem, um dos bandidos que roubara um veículo que pertencia a ele (soma-se o fato em si às imagens apresentadas na televisão com os procedimentos dos policiais ao retirarem os dois atingidos – bandido e vítima – de dentro do carro). Falemos mais, soldados do exército que entregaram jovens a traficantes do morro inimigo, acarretando na tortura e na execução desses jovens cujo crime era desacato (qualquer pessoa com o mínimo preparo em psicologia sabe como os jovens têm tendências a desacatar qualquer autoridade, mas isso não vem ao caso). Concluo as exemplificações com a, ainda não solucionada, questão da engenheira que sumiu e cuja solução pode apontar para mais um desastre policial.
Uma conclusão básica pode ser tirada dos exemplos supracitados: a polícia do Rio de Janeiro está despreparada. Recorro a um argumento apresentado por Rodrigo Pimentel (o homem por trás do livro Elite da Tropa que deu origem ao filme quase homônimo de que falarei mais adiante) no documentário Ônibus 174 (dirigido por José Padilha, o mesmo que dirigiu o, já citado, Tropa de elite). A polícia do Rio de Janeiro absorve para o seu contingente, representantes da População Economicamente Ativa que não foram alocadas no mercado de trabalho e que, portanto, precisam de emprego para garantir suas necessidades básicas. Em geral, portanto, a polícia do Rio de Janeiro adquire da sociedade, profissionais que pouco entendem do seu trabalho – somando a isso a formação precária que terão, entendemos um pouco das pessoas que são responsáveis pela segurança pública carioca e que recebem uma arma para garanti-la. Além do despreparo profissional, podemos refletir sobre o despreparo físico, uma vez que – várias vezes – me deparei com matérias e fotos jornalísticas onde policiais desfilavam sua falta de forma física que, no meu entender, são discrepantes para uma profissão que envolve – engraçado comentar – forma física (!!!). Outra questão é o preparo psicológico para um trabalho que vive sob fortes pressões da sociedade, da família, da própria corporação e, é claro, dos bandidos (ressaltar o fato de ser uma profissão onde se corre risco de morte). Os salários não são nem um pouco dignos para viver em tais condições, o que facilmente leva esses profissionais a atos ilícitos tais como corrupção, negligência, latrocínio e, homicídio (vai ficando cada vez mais claro o por quê de ser mais conveniente para um policial abrir fogo do que qualquer alternativa). Outro indício alarmante foi apresentado pelo próprio Pimentel no programa Espaço Público, o fato de os policiais serem condecorados não pela baixa nos índices de criminalidade, mas pela quantidade de “bandidos” mortos em sua região. É alarmante!!! Mais alarmante é a forma como a alta cúpula de segurança pública e a sociedade encaram determinados atos policiais.
No caso João Roberto (a criança de três anos do exemplo) a polícia inventou um tiroteio. No caso dos jovens entregues, os soldados alegaram que só queriam “um corretivo” e que não sabiam que os traficantes inimigos iriam matá-los. Já no caso do roubo de carro que resultou na morte de um inocente, a secretaria estadual de segurança declarou que o procedimento dos policiais foi bem realizado. Buscam-se justificativas para o injustificável – a explicação? É só reler o parágrafo anterior. Quanto à população, é muito grave assistir à opinião pública concordar com certas ações da polícia que, como venho dissertando, pode se virar contra a população. Ao aceitarmos o “dedo frouxo” no gatilho, o combate da violência com o extermínio, estamos correndo o risco de gerar o extermínio de inocentes: os tiros que acertam um bandido podem acertas vários inocentes. Esse posicionamento da população me pareceu preocupante a partir do sucesso do filme Tropa de Elite (não do sucesso em si, mas como o sucesso se apresentou).
Considero o filme Tropa de Elite como um excelente exemplar do conceito de observador passivo. Uma narrativa que tenta apresentar uma situação sem interferir nela (o filme é quase um documentário), buscando gerar perguntas sem oferecer respostas. Entretanto, o público (costumeiramente observador ativo) desejoso de uma solução para os inúmeros problemas sociais em que está imerso (considero que a catarse pública em torno do filme é proveniente dessa condição da população), acaba vislumbrando, no desenrolar da trama, com policiais que não se deixam levar pela corrupção e que combatem o crime com eficácia (será?). O Capitão Nascimento se torna a resposta para nossos problemas, quando, na verdade, deveria ser a dúvida sobre como estamos lidando com nossos problemas. Volto a citar Rodrigo Pimentel (que, para os desavisados não custa nada lembrar, é ex-capitão do BOPE) que disse em entrevista que considera o sucesso de Tropa de Elite como um possível responsável pela opinião da sociedade sobre ações policiais nas favelas e no combate ao crime, não obstante essa não ser a intenção dele, Padilha e Mantovani (roteiristas do filme). Era comum, durante a exibição do filme, as pessoas rirem enquanto personagens eram torturados e executados.
Como última esperança (para não me causar revolta maior), espero que os exemplos os quais citei no início do texto e que fogem da esfera marginalizada da sociedade (leia-se favelas e subúrbio), invadindo o tão prezado bem-estar da “classe média-zona sul” não tenham ocorrido em vão e sirvam de grito para que mudemos posturas sociais a fim de que possamos intervir (o que é um direito nosso) nas políticas públicas de segurança, garantindo um futuro melhor para crianças como João Roberto cuja morte, insisto, não pode – em hipótese alguma - ser em vão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário