domingo, 25 de outubro de 2009

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA (Entre les murs - França; 2008)


Direção: Laurent Cantet

Trabalhar com educação é um dom que, na maior parte das vezes, é acompanhado por um sentimento de idealização. Impossível não refletir sobre uma profissão mal remunerada e que atrai tantos profissionais empenhados na sua realização. Apesar de pouco valorizado, o magistério é, no meu ponto de vista, uma das mais belas contribuições que um indivíduo pode oferecer a sociedade – obviamente quando bem realizada. E, a partir dessa convicção, acredito que uma pessoa se torna professor pelo prazer e pelo dom de ensinar, já que não pode esperar por altos salários. Entretanto, o professorado é uma camada de profissionais que vivem intensamente com as contradições da sociedade e os estresses provenientes destas. Por trabalhar com educação há cinco anos já passei pela experiência de acreditar que dar aula é o maior prazer que um ser humano pode possuir (e, de certa forma, ainda acredito nisso), esquecendo-se dos contras que existem nas relações escolares as quais, considero, uma das mais complexas que existe (leia-se professor, alunos, pais, instituição escolar e educação). Exemplos desses contras são inúmeros, mas só podem ser vivenciados Entre os muros da Escola.

A escola, como qualquer ambiente de interação social, é um ambiente propício a estereótipos. Entretanto, são características que brotam do ser humano a partir das experiências que possuímos ao longo de nossas vidas – são métodos de identificação, auto-afirmação, rebeldia. No caso específico do ambiente escolar, é possível perceber que essas formas de interação dão-se numa esfera micro e, portanto, mais propensas a conflitos – ainda mais se pensarmos que vamos a escola por obrigação e que os adolescentes, mais que ninguém, sentem a necessidade da identificação. O roteiro de Entre os Muros da Escola permite que o espectador vivencie essas condições por um ponto de vista duplo, um grupo de professores e uma turma de 8º ano, sem, no entanto, cair nos estereótipos tantas vezes abordados pelo cinema e televisão ou no maniqueísmo que insiste em transformar um dos lados em vilão. Optando por uma estética simples, mas, nem por isso fraca, Cantet realiza uma viagem por um período escolar sem interferir com sua câmera nas ações dos personagens, o que me remete ao filme de Gus Van Sant, Elefante. Além disso, Entre os muros da escola também se assemelha ao filme de van Sant por utilizar atores que interpretam versões deles mesmos e, por que não lembrar, por ter sido consagrado com a Palma de Ouro em Cannes.

Com essa receita, Cantet nos oferece vivenciar (insisto nesse termo, pois ao assistir Entre os muros da escola temos a sensação de estar imerso a narrativa como se fizéssemos parte da diegese do filme) os conflitos típicos da juventude e os atritos que eles podem ter com a necessidade de disciplina do colégio e, por conseqüência, dos professores. Sob a figura de François, observamos as dificuldades que os profissionais da educação possuem em atender a demanda educacional – por mais que exista boa vontade e interesse, em níveis que variam com o passar do tempo, de ambas as partes. Quando menciono demanda educacional, refiro-me a conteúdo programático, respeito dentro de sala e confiança no trabalho que realiza por parte dos pais, dos alunos e da própria instituição. François, assim como seus colegas de trabalho, dão suas aulas, se reúnem para discutir questões disciplinares, notas, conteúdo de aula, o preço do café, a gravidez de uma colega... São propensos a sentimentos, como qualquer ser humano – frustração, raiva, felicidade. Bem como seus alunos os quais têm que conviver com as contradições da idade, as dificuldades de relacionamento, os problemas domésticos e, no caso específico do filme, questões culturais como racismo e xenofobia. No meio dessa complexa rede de relações está situado o provável protagonista do filme que é a própria escola. Entre os muros da escola se torna um filme necessário, por trazer para a pauta de discussões o papel da escola e daqueles que ali convivem. Uma narrativa que torna universal uma questão que muitos pensam que é de interesse regional. Um filme que termina com duas seqüências belíssimas que demonstram como a relação professor-aluno, assim como qualquer relação, sempre será contraditória e que apesar dos problemas, essa ainda é uma das mais belas relações que podemos possuir ao longo de nossas vidas.