segunda-feira, 31 de agosto de 2015

RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM (A portrait of the artist as a young man – Irlanda, 1916)

Autor: James Joyce

“Lerei James Joyce!”
Aceitei o desafio... só que não. Não serei iniciado no escritor irlandês por Ulisses. Seria uma falta de respeito. Quando tomo um livro em minhas mãos, é como um movimento de saudação àquele que o escreveu. Enveredar-se nas tramas de Ulisses, no momento atual, sem nenhum contato prévio com a obra de Joyce, seria uma tentativa soberba de autoconvencimento. Não. É preciso baixar a crista – não a cabeça – e se deixar imergir no universo de um dos escritores mais intrigantes da literatura mundial. Leitor passivo, que deixa o universo diegético envolvê-lo em um movimento catártico. Leitor passivo... Joyce veio a mim e não o contrário. Apenas me apercebi lendo sua obra de estreia e nada me conforta mais que ser abraçado por uma obra literária. Sentir a obra sem impor vontades próprias, tal qual uma meditação humilde – um silêncio rumo ao arrebatamento da autodescoberta. Papel da arte. Aceitei o desafio. Et ignotas animum dimittit in artes.
Era uma vez um menino infeliz no trabalho e emergindo do marasmo chega-lhe Retrato do artista quando jovem. O silêncio proveniente desse encontro abre as mais profundas portas do imaginário e da memória – o imponderável. É possível (s)ter um Stephen Dedalus em vida? É possível, tal qual Dédalo, personagem mitológico que empresta seu nome ao protagonista (alter ego de Joyce) fazer brotar do labirinto, a partir do tomar consciência de si, a motivação suficiente para deixar tudo para trás e rumar ao desconhecido – lançar-se na sombra. Stephen Dedalus atende ao chamado da vida. Não me surpreenderia se o jovem partisse cantarolando em versos: “deixe-me ir, preciso andar. Vou por aí a procurar. Sorrir para não chorar”.
Assim como o personagem mitológico, Stephen constrói um labirinto de dúvidas que permeia entre a religiosidade e o dom artístico e que é habitado pela, muitas vezes monstruosa, relação que mantém com a família, os amigos e a pátria – mas também a religião e a arte. Cabe ao artífice Dedalus o papel de construir suas asas e é através da linguagem que acompanhamos a construção desse personagem ímpar.
Romance de formação por excelência, O retrato do artista quando jovem evolui de acordo com o amadurecimento artístico, filosófico, linguístico e social do personagem que se envolve em angústias frente à necessidade de encontrar seu papel no mundo. Estudante de uma instituição jesuíta, o discurso religioso é fundamental para construção de seu caráter e é, ao mesmo tempo, sua redenção e seu pavor – seu primeiro contato com a filosofia e com a hipocrisia; sua forma de lidar com a crise e a promiscuidade através do medo. Sua gradual abdicação das instituições – religião, família e pátria – dá-se a partir do seu contato com a arte e com o mundano, todavia não ocorre sem antes trafegar entre os pratos dessa balança:

“Da porta da taverna de Byron até o portão da Clontarf Chapel, do portão da Clontarf Chapel à porta da taverna de Byron e depois mais uma vez de volta à capela e depois mais uma vez de volta à taverna ele havia caminhado devagar no início, plantando os pés com todo o cuidado nos espaços dos retalhos que compunham, a calçada para então deixar os passos caírem no ritmo dos versos (…) Por uma hora inteira tinha andado de um lado para o outro, esperando: mas não havia mais como esperar.”

Seus desejos entram em conflito com os almejos guardados para ele. As projeções provenientes da família, da escola, dos amigos e da sociedade em geral vão de encontro ao sentimento de si e para Stephen Dedalos não resta alternativa senão partir para o continente a fim de se encontrar.

“ela reza para que eu possa aprender na minha vida e longe de casa e dos amigos o que é o coração e como ele sente. Amém. Que assim seja. Bem-vinda, ó vida! Saio para encontrar pela milionésima vez a realidade da experiência e para criar na forja da alma a consciência ainda não criada da minha alma.”