sexta-feira, 20 de outubro de 2017

GABRIEL E A MONTANHA (Brasil, 2017)


Direção: Fellipe Barbosa
Não tem como terminar de assistir a “Gabriel e a montanha” e não pensar em “Na natureza selvagem”. Os dois filmes partem de episódios verídicos e muito semelhantes, embora os objetivos dos respectivos protagonistas e a forma como suas histórias são contadas possuam suas particularidades. Diferentemente do filme de Sean Penn (lançado dez anos atrás), Fellipe Barbosa optou por convocar aqueles que, de alguma forma, exerceram um papel importante durante a viagem de seu amigo de infância, Gabriel Buchmann, para interpretarem a si mesmos, lançando mão, em vários momentos, de depoimentos em off desses mesmos personagens. Tal estratégia e o uso das verdadeiras locações onde o protagonista viveu sua história caracterizam “Gabriel e a Montanha” como um docudrama, conferindo maior empatia e veracidade ao que vemos na tela (além de desconstruir o muro que inconscientemente levantamos entre ficção e documentário). 
Interpretado com leveza por João Pedro Zappa, Gabriel é um jovem economista que, prestes a ingressar em um doutorado sobre políticas públicas nos Estados Unidos, decide viajar pela África a fim de conhecer as condições de pobreza daquele continente e, para isso, opta por “tornar-se” um local, fugindo, dessa forma, dos estereótipos que o identificariam como turista. 
A premissa que motiva Gabriel já demonstra em si as contradições que o preenchem e a forma como Zappa consegue transmiti-las sem exageros é o ponto alto de sua atuação. A escolha do jovem de sair do Brasil, onde teria condições suficientes para adquirir conhecimento sobre pobreza extrema, bem como sua decisão de viver como local fazem brotar o interesse por conhecê-lo melhor. Sua namorada, em certo momento, brada contundente que ele “fugiu para a África”, abrindo espaço para considerarmos outras motivações (íntimas, talvez) para sua viagem, as quais desconhecemos, mas que aproximam o espectador do protagonista. Mesclam-se, assim, atitudes delicadas – que justificam o carinho e o respeito com que as pessoas se referem a ele e o sentimento que expressam ao falarem sobre os eventos que selam sua história – e outras individualistas ou, até mesmo, pedantes. São essas contradições, inclusive, que determinam seu destino e é positiva a decisão de Barbosa por não omiti-las – algo extremamente difícil, uma vez que, segundo palavras do próprio diretor, a obra foi a maneira de reencontrar o amigo de infância e, ao mesmo tempo, fundamental para a construção de um personagem multidimensional.
É possível se questionar ao final da projeção: como um jovem imbuído do desejo de explorar a África e a realidade de seu povo tenha optado pela surdez ao ser prevenido, por aqueles que buscava conhecer, dos perigos que enfrentaria se mantivesse sua posição de subir, mesmo depois de dispensar o guia, a montanha mais alta do Malauí? A resposta vem da dolorosa compreensão do desfecho de Gabriel e que só pode ser alcançada a partir deste belo filme.