domingo, 20 de julho de 2008

Cem anos sem Machado de Assis


Irônico o fato de que o título acima seja, ao mesmo tempo, verdadeiro e falso. Há cem anos, falecia no Rio de Janeiro o escrito Machado de Assis. Entretanto, de forma poética, não podemos deixar de recordar que sua obra permanece imortal. Imortal... não é a toa que Machado de Assis tenha sido o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, e tenha, ainda hoje, o título de Presidente Perpétuo. Dessa forma, erraríamos ao afirmar que estes cem anos, os quais se completam em 2008, sejam marcados pela ausência daquele que é considerado por muitos como o maior escritor brasileiro de todos os tempos.

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas

Com essas palavras, Machado de Assis iniciava seu romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, abrindo as portas do movimento realista na literatura brasileira. Sempre ousado, o escritor rompeu com o tradicionalismo censor da burguesia da época, criando narrativas que fugiam com os padrões estéticos até então aceitos e os quais desembocavam na produção literária romântica. O realismo buscou criticar toda a forma de idealização e pureza amorosa comum ao movimento do romantismo e – como diz em seu nome – tratou de apresentar em suas linhas narrativas a realidade da época. Sendo assim, não é de se admirar que os personagens de Machado de Assis possuam uma relação com o mundo bem diferenciada daqueles que os precederam. Aqui é comum homens e mulheres cujo caráter seja dúbio, sendo capazes de se aproveitar das situações alheias e facilmente induzidos a sentimentos de vingança e cobiça.

As mulheres, extremamente sedutoras e ambiciosas, em quase nada lembram o perfil submisso daquelas que José de Alencar, Bernardo Guimarães e tantos outros apresentaram ao mundo. Os homens, em geral, adúlteros, interesseiros e longe do perfil romântico idealizado de altruísmo e honradez. Os heróis, quase sempre são facilmente manipulados pela situação, uma vez que – em vários momentos – são emocionalmente fracos. Fraqueza que foge do conceito ideal de vencedor – lembramos que neste período já temos a divulgação das teorias darwinistas de seleção natural, induzindo a sobrevivência dos fortes e a conseqüente derrota dos fracos. Machado de Assis ousou em criar personagens psicologicamente complexos que, em geral vivem suas histórias unilateralmente como se tivessem vida própria, sem a intervenção do autor. Em vários momentos de sua narrativa não temos certeza de um fato, uma vez que as afirmações não passam de uma visão pessoal do personagem (quem imaginaria um romance que, em momento algum, nos dá certeza dos fatos como Dom Casmurro?). Interessante notar como, ao mesmo tempo em que Machado de Assis consegue criar estruturas narrativas como a descrita, o escritor ainda é capaz de quebrar de forma genial o decorrer da ação para se dirigir ao leitor como se dirige a um amigo em uma roda de conversa (ele cria uma nova dimensão para o papel de leitor). Além disso, o autor criou um romance inteiramente narrado por um defunto (Memórias Póstumas de Brás Cubas), oferecendo a ele toda a autoridade necessária para realização da narrativa cujo desenrolar é cheio de humor negro e ironias – algo espantoso para a época de sua publicação.

O escritor estará eternizado pela literatura, atraindo a atenção e admiração de estudiosos e leitores famosos como Susan Sontag, Harold Bloom e Woody Allen. Entretanto, vale ressaltar que as atitudes, majoritariamente, errôneas da educação brasileira acabam por criar preconceito para com inúmeros escritores nacionais – dentre eles, Machado de Assis. Nunca iremos criar um país de leitores, enquanto transformarmos nossa literatura em bicho-papão de crianças e adolescentes, obrigando-os a leituras pouco embasadas com o intuito de avaliar conceitos sem gerar consciência crítica da importância literária para o desenvolvimento da cultura nacional – na época da publicação e em épocas posteriores. Influenciar a leitura não é sinônimo de obrigar à leitura. O legado que Machado de Assis nos deixou há cem anos atrás[1] não pode ser deixado para trás. Obrigar alunos a lerem não é dar vida à literatura, é subjugá-la a uma morte lenta por descrença, acabando por nos contentar em decorar os livros didáticos e suas memórias póstumas de uma literatura que já foi viva.


[1] Redundância intencional

Um comentário:

igambiental disse...

realmente, Machado de Assis eh um excepcional romancista; o que mais admiro. nota:muito bom o texto dedicado a ele, "massa pra carai".