domingo, 13 de julho de 2008

Ninguém pode Saber (Dare mo shiranai - Japão, 2004)


Direção: Kore-eda Hirokazu

Eficaz transposição de um fato real para o cinema, capaz de realizar de forma marcante um relato sobre uma triste condição humana.

Assim resumo este filme japonês o qual tive muita dificuldade em assistir até o fim. Interessante ressaltar que só consegui entender os motivos para tal após, finalmente, chegar ao final da narrativa (em seus marcantes 141 minutos de duração). As primeiras vezes em que tentei assistir a Ninguém pode Saber fui surpreendido pela minha repentina ação de parar a película no meio, adiando por três vezes sua conclusão. Quando finalmente cheguei ao fim da projeção (obs: todas as vezes que reiniciei a projeção, a fiz desde o início da narrativa – portanto assisti ao filme do começo ao fim e nunca iniciei o filme do meio) pude perceber o real motivo de meus abandonos anteriores: a carga psicológica de sua narrativa é extremamente pesada.

A premissa parece simples e típica de filmes de comédia infantil norte-americana. Uma mulher e seus filhos mudam-se para um novo apartamento, sendo que os três filhos mais novos (duas meninas e um menino) são obrigados a se esconderem sob o risco de serem expulsos da nova residência. O único que pode ser visto é Akira, o mais velho, cuja responsabilidade é cuidar dos irmãos sempre que a mãe encontrar-se ausente. A situação muda quando a mãe das crianças sai de casa e não retorna, deixando os filhos sozinhos com algum dinheiro. Ocasião perfeita para uma festa, uma vez que não haveria adulto presente para controlar os instintos infanto-juvenis, certo? Errado. A ação dramática deste longa nos arremessa para o lado oposto da moeda, nos obrigando a mergulhar num ambiente caótico o qual vai se tornando cada vez mais melancólico a medida que os dias passam (algo que em muitos momentos não fica claro graças as bem colocadas elipses no decorrer da história).

Quatro crianças obrigadas a sobreviverem sem o acolhimento materno e buscando alternativas para o dia-a-dia, uma vez que não podem sair do apartamento em que vivem, não podem ir para a escola e não possuem amigos (na verdade, tudo o que possuem são uns aos outros e uma carga excessiva de responsabilidade atípica a idade que têm). E a dura realidade em que se encontram os obrigam a se aproximarem numa unidade familiar incomum. Entretanto, as dificuldades que possuem em aceitar a condição acabam por afastá-los e condená-los a um silêncio cruel (em muitos momentos o filme nos oferece o silêncio como voz). Como o único que pode sair de casa é Akira, este acaba descobrindo que ficar fora de casa é a melhor alternativa para fugir da pressão que sofre (uma vez que a responsabilidade sobre os irmãos é dele). É nas ruas que ele descobre a quantidade de vida que ele e os irmãos não conhecem e também é um lugar onde o jovem pode se descobrir melhor – olhar para si. Essa é a razão que explica o fato dele durante um bom tempo do dia manter-se fora e tentando levar um pouco da rua para dentro de casa (e, por conseqüência, ignorando seus irmãos). Tal fato é visível quando ele leva alguns amigos (leia-se estranhos conhecidos na rua) para jogar videogame enquanto seus irmãos são observadores passivos.

Aliás, observador passivo é um bom termo para nomear o espectador deste filme. Somos incapazes de não esboçar reação pela situação que vemos, mas somos impotentes em realizar alguma ação capaz de modificá-la. A câmera de Hirokazu em boa parte do filme é fixa, limitando-se, em poucos movimentos (bem sutis), a nos expor a uma condição sem realizar qualquer tipo de manipulação nos desdobramentos dos personagens cujos intérpretes se saem muito bem. Menção especial para Yûya Yagira que dá vida e alma (algo fundamental para o sucesso de um personagem) a Akira, um personagem extremamente complexo apesar de seus doze anos. O rapaz acabou sendo premiado em Cannes pelo seu papel, desbancando nomes famosos como Tom Hanks e Gael Garcia Bernal (como nos lembra o DVD do filme). Akira cresce como ser humano ao se deparar com situações tão desumanas como o caos representado por sua moradia sem luz, água, gás. Seu amadurecimento, inclusive, fica bem evidente com a mudança de voz que o personagem sofre – típica da puberdade. E as pessoas que surgem em sua vida durante seu calvário são pontuais para todas as críticas sociais que podemos tirar da projeção. Os atendentes da loja cujas ações lembram muito o mascaramento da sociedade em situações semelhantes (afinal estamos todos cercados de crianças sem pais que sobrevivem dia a dia contando apenas consigo); nós sabemos do problema, sentimos pena, tentamos ajudar, mas somos incapazes de agir de forma a mudar as conjunturas desumanas que nos circundam. Já Saki nos mostra como o desespero não é privilégio somente dos necessitados. A menina é rica e acaba encontrando o afeto que tanto desejava junto aos irmãos com quem passa a viver a partir de um ponto da narrativa.

Evito falar mais, embora queira, sob o risco de revelar mais do que posso. Ninguém pode saber é uma narrativa complexa – é preciso estar preparado para ela, caso contrário, o espectador pode ser obrigado a parar a projeção sem entender o porquê, expulso por uma carga psicológica pesada, mas extremamente verossímil e profundamente tocante (e por incrível que pareça, em momento algum piegas ou clichê).

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