sexta-feira, 29 de abril de 2011

ABUTRES (Carancho – Argentina, 2010)

Direção: Pablo Trapero

            Ao dissertar sobre o filme peruano A teta assustada, comentei sobre a visibilidade que o cinema latino-americano vem recebendo nos últimos anos junto à cinematografia internacional. Também comentei sobre o peso que o fator histórico e suas conseqüências exercem nas narrativas locais, além de citar a recente vitória argentina no Oscar de melhor filme estrangeiro. Pois bem, na minha humilde opinião, um dos fatores que proporcionam à Argentina um posicionamento levemente superior aos filmes do restante da América Latina é a superação desse passado sombrio e, diferentemente da maioria dos cinemas da região, o cinema argentino volta seu olhar para o presente em narrativas mais universais – mesmo que questões sociais apareçam como ponto fundamental para o desenvolvimento da ação dramática. Dessa forma, de uns anos para cá, a cinematografia dos nossos vizinhos apresentou obras de extrema qualidade narrativa e técnica, filmes como: Nove rainhas, O filho da noiva, O segredo dos seus olhos e La leonera – este último dirigido pelo mesmo Pablo Trapero de Abutres.
            Mesmo sem conhecer a fundo o trabalho de Trapero, ao que parece, ele tem forte preocupação com histórias voltadas para o lado sombrio da sociedade argentina, demonstrando alguns dos problemas locais. Se em La leonera, ele voltou seu olhar para o sistema carcerário argentino, em Abutres a questão está em um tipo de máfia do seguro cuja ação está em se aproveitar da fragilidade de pessoas envolvidas em acidentes de trânsito. Sosa – interpretado por Ricardo Darín, ator que domina o cenário cinematográfico argentino – é um advogado que transita entre acidentes de carro no intuito de atrair clientela para o mercado sujo em que trabalha. Em um desses acidentes, ele conhece a médica Luján que divide seu pouco tempo entre atender em um hospital público e trabalhar em uma ambulância, resgatando acidentados nas ruas – algo que dificulta seu descanso, já que sua jornada de trabalho ultrapassa, em muito, o desumano.
            A questão é que Sosa parece sofrer com peso na consciência ao realizar tais trabalhos o que causa certa insatisfação de sua parte e o desejo de sair desse mercado. Entretanto por uma ironia do destino, ele acaba se afundando na ilegalidade e envolvendo a jovem médica naquele que deseja ser seu último serviço para a agência onde trabalha. Utilizando planos fechados, Trapero acaba por oferecer ao espectador um pouco das angústias que cercam as personagens, valorizadas por um roteiro eficiente e atuações corretas da dupla protagonista. Além disso, o diretor evidencia o poder que a corrupção tem em uma dinâmica de abuso dos mais pobres e menos informados – e ressalto o que disse anteriormente, fragilizados pela situação em que se encontram. Tecnicamente bem realizado, Abutres conta com um plano sequência muito interessante em sua cena final, provando o gosto que os cineastas argentinos têm por esse artifício cinematográfico. E já que tocamos na questão do plano sequência, é impossível não comparar Abutres com o superior O Segredo dos seus olhos, que – além de ter Ricardo Darín como protagonista – possui um excitante plano sequência em um estádio de futebol. Embora o filme de Trapero não exprima a genialidade de seu conterrâneo oscarizado, isso não surge como um problema, já que Abutres é um filme extremamente humano em sua temática e suficientemente bem realizado do ponto de vista técnico, provando que o cinema argentino continua caminhando na rota certa. 

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