Direção: Tatiana Issa e Raphael Alvarez
Em épocas de repressão ditatorial, quando os direitos à liberdade estavam cerceados pela censura e, cada vez mais, o discurso conservador era imposto como verdade inquestionável, treze bailarinos ousaram, com alegria e com dança, proporcionar momentos libertários e questionadores em espetáculos que marcaram época nos anos setenta. Por gerar forte influência na classe artística desde então, é muito triste notar que as lembranças desse mito foram se apagando com o passar dos anos e, assim, é de grande importância o resgate realizado pelo documentário de Tatiana Issa e Raphael Alvarez cujo título remete justamente ao nome desse grupo de bailarinos: os ou as Dzi Croquettes.
O fato de indeterminar gramaticalmente o gênero de Dzi Croquettes é fruto de um dos maiores questionamentos do grupo e de seus espetáculos. Ao explorarem as convenções do gênero de forma a desconstruí-las em números dotados de grande ironia, eles ou elas acabavam por proporcionar ao público um mergulho na sexualidade como experiência social – abrindo as portas para a aceitação das diferenças e o respeito irrestrito. Homens dotados de marcas genuinamente masculinas como pêlos pelo corpo, travestidos em roupas de mulher e sensualizando seus movimentos em clara referência ao universo feminino era uma característica vibrante dos espetáculos – fora o aparato de produção artística com figurinos, cenários e maquiagens cujo efeito causava frisson nos espectadores. E o fato de tratar essas questões com enorme liberdade e deboche fazia com que os números se constituíssem como fortes críticas aos costumes da sociedade brasileira e da liderança ditatorial que nos governava.
Rodeado por uma aura de nostalgia, Dzi Croquettes reúne os integrantes do grupo, apresentando em depoimentos toda a história do movimento alternada com imagens originais da época. Além disso, o documentário conta com entrevistas realizadas com vários integrantes da classe artística brasileira dos anos setenta e oitenta que tiveram ou têm suas carreiras influenciadas pelo(a)s Dzi Croquettes – dentre os quais: Marília Pera, Nelson Motta, Ney Matogrosso, Jorge Fernando, Miguel Falabella, As Frenéticas e Liza Minelli (madrinha do grupo, além de tê-los salvo da desgraça em Paris). O projeto de Tatiana Issa, muito além de uma homenagem àqueles dançarinos que a rodeava quando criança, é um resgate da própria memória pessoal, já que seu pai acompanhava os espetáculos, trabalhando como contra-regra. Pode-se ressaltar, também, ao justíssimo tributo que o filme realiza ao coreógrafo Lennie Dale. Americano radicado no Brasil, Dale teve papel importantíssimo na cultura nacional, não apenas por coreografar a bossa nova, mas também por treinar os trejeitos de Elis Regina no palco e influenciar uma gama enorme de artistas com o passar dos anos.
Dzi Croquettes se torna um belo registro histórico de um recorte da cultura nacional que foi esquecido pelo tempo e que, ainda hoje, exerce tanta importância para movimentos gays, de gênero e de dança. O documentário poderia ser um bom início desse resgate do passado, mas, para isso, é necessário que essa leitura da história não pare por aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário