Direção: Andrew Dominik
Look
at my red hands and my mean face... and I wonder 'bout that man
that's gone so wrong.
(Jesse
James)
Tem dias que me pego de volta aos vinte, refletindo sobre escolhas e
atitudes – subserviente a um idealismo muitas vezes invejável,
outras tantas torpe. Agarrar qualquer oportunidade para chegar ao que
consideraria o topo; meu pai sempre dizia “você precisa ser o
melhor”. A ideia de sucesso que se divulga na sociedade é muito
mais uma cobrança extremamente castradora, uma vez que destitui o
sujeito de sua individualidade em detrimento de um reconhecimento
vazio proveniente do olhar do outro como se esse olhar legitimasse as
conquistas de um indivíduo que busca se perder no processo. Ser
bem-sucedido nesta sociedade é deixar de ser o que somos e passarmos
a ser o que os outros querem que sejamos; o que constitui um
problema, pois, ao nos privarmos de nossa individualidade e, por
consequência, de nossa ética, ficamos capacitados a atropelar o que
venha pela frente, corroborando um mal tão comum nos dias de hoje: a
sociopatia. Como já disse em outras oportunidades, um olhar
amadurecido sobre questões do passado põe luz a muitas questões do
futuro; por essa razão resolvi revisitar O
assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford
(e agradeço a Netflix por essa experiência de sincronicidade tão
rica – fazia muito tempo que este filme retornava às minhas
reflexões e, não por acaso, desejava revê-lo).
Costumava
dizer, nos idos de 2007 ou 2008 – quando assisti ao filme pela
primeira vez – que não havia necessidade de explicar sua premissa,
pois o título completo do filme (muitos o apresentam apenas como O
assassinato de Jesse James)
já funcionava como sinopse do mesmo. Uma injustiça, levando em
consideração que a obra de Andrew Dominik (que assina o roteiro,
baseado
no romance de Ron Hansen)
é um estudo de dois personagens, sendo
um deles um fora da lei conhecido e venerado e o outro um jovem que
sempre almejou entrar no bando do primeiro e vivenciar
as aventuras do grupo de criminosos – algo que, supunha, traria
sentido à sua existência. Robert Ford, no auge dos seus vinte anos,
é um idealista que, desde criança, aprendeu a admirar e a
compreender a figura dos irmãos James como heróis – ideia
que será posta à prova pela realidade factual, em
especial, pela
convivência com James.
Por
outro lado, Jesse James é um homem de trinta e quatro anos que se vê
diante do dilema de não poder confiar em ninguém à
sua volta, sendo
obrigado a uma vida nômade,
percebendo sua gangue diluir-se em meio a prisões e a conflitos
internos – um herói acuado, algo
que alimenta os sentimentos contraditórios do jovem Ford.
São, portanto, dois personagens imersos em conflitos, o
que transforma a narrativa em um denso western psicológico que toca
em questões como “fama, glória, nostalgia, desilusão e várias
outras ideias que transmitem um sentimento de solidão”.
Robert
Ford (importante reconhecer como Casey Affleck elabora uma atuação
tão bela, realçando os paradoxos que preenchem um personagem que
acredita tão piamente em algo que, verdadeiramente, não conhece),
pode-se dizer, carrega o arco dramático da narrativa; a ele se impõe
os questionamentos mais fortes da história. A desconstrução do seu
ídolo é um processo delicado que vai desde o reconhecimento de
coincidências banais entre os dois personagens – como que na
tentativa de se convencer, através delas, que
é digno da confiança
do outro, construindo,
assim, uma relação perigosamente passional
– até a compreensão de que Jesse James é “apenas um ser
humano” (fala que guarda em si um sentimento de desprezo total pela
figura humana, pois é concebida como justificativa para o ato que dá
título ao filme – uma
das cenas mais bem dirigidas a que tive oportunidade de assistir).
Ford, antes de mais nada, se convence de que é “destinado para
grandes feitos”, almeja
o reconhecimento e o sucesso, independente dos meios e é muito
interessante acompanhar seus questionamentos a medida que fica mais
velho.
As
atitudes de Jesse
James se encaminham em um crescente, expondo uma
insegurança que, por sua vez, expõe o lado mais torpe de sua
personalidade. Em certo momento da narrativa, James tortura física e
psicologicamente um jovem na tentativa de obter uma resposta que
nunca poderá ser dada, uma vez que ele mantém a boca de sua vítima
tapada, impedindo que ela fale. Entretanto James se coloca diante dos
outros como uma pessoa que está no controle da situação, chegando
a causar
conflito entre Ford e seu irmão (Charley),
os únicos remanescentes da gangue. Curioso, portanto, refletir sobre
até que ponto James sabia do desfecho de sua relação com Ford –
a sequência de ações como abrir mão da arma da qual nunca se
separava é sugestiva (poderia até ser considerada inverossímil,
não fosse a tradição que conta a história dessa forma, vide as
apresentações que os irmãos Ford realizaram pelos Estados Unidos
recriando a cena). Muitos defendem que James, acuado, passou a ter
pensamentos suicidas e deu as costas para Ford como quem sabia que
seria traído e, além, consciente da sua condição de celebridade
(sua
morte foi amplamente divulgada, gerando as mais variadas reações),
sabia que os irmãos Ford sofreriam em vida as consequências de
carregarem nas costas a sua morte (algo
que é explorado pelo ato final do filme).
Belissimamente
fotografado por Roger Deakins, O
assassinato de Jesse James apresenta
imagens que fazem referência a uma narrativa que se diluiu no tempo
e conta com uma melancólica trilha sonora de Nick Cave e Warren
Ellis, evocando os sentimentos que preenchem os protagonistas
(impossível separar a faixa Song
for
Bob
da figura de Robert Ford). Filmes
como este deveriam ser discutidos mais amplamente mesmo
após
terem sido tão subestimando à época de seu lançamento e
revisitá-lo, quase dez anos depois, foi um exercício muito precioso
para entender as transformações de um rapaz de vinte anos, hoje com
trinta.