sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Um pouco (bastante) cansado de certos argumentos retrógrados.

Admiro muito a atual presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Cheryl Boone Isaacs deu novo fôlego e charme aos detalhes do evento mais aguardado da indústria cinematográfica estadunidense como, por exemplo, a coletiva de imprensa realizada para anunciar os indicados ao Oscar, que, desde que assumiu seu posto, é muito mais agradável e justo, pois não ignora nenhuma categoria como acontecia até bem pouco tempo atrás. Além disso, tem uma presença fantástica diante das câmeras e, principalmente, tem papel nuclear na tentativa de tornar a Academia mais atenta à diversidade (o fato de ser mulher e negra em um país que ainda tem boa parcela da população orgulhosa em se dizer machista e racista já seria, por si só, admirável, entretanto Isaacs busca ser atuante no sentido de tornar a Academia uma entidade mais abrangente quanto à raça, gênero, origem nacional e ponto de vista). Diante do seu compromisso, não seria de se admirar que viesse a público para demonstrar sua insatisfação com o fato de, pelo segundo ano consecutivo, as principais categorias do Oscar não contarem com a presença de negros.
Tampouco é de se admirar que, diante das declarações extremamente relevantes de Isaacs, um bando de idiota – que devem ir ao cinema apenas para assistir a filmes como “Transformers” e que nunca devem ter ouvido falar em nomes como Lee (Spike Lee, Lee Daniels – e Ang Lee, por que não citá-lo?), Poitier, ou Ava DuVernay – afirmar que o Oscar está querendo criar um sistema de cotas para negros a fim de laureá-los, não pela sua capacidade, mas por serem negros. Aff...
Não sejamos rasos, a discussão levantada por Isaacs é muito mais profunda e atinge a microfísica do poder. A indústria cinematográfica é uma estrutura extremamente segregadora e funciona, deveras, como reflexo de uma sociedade machista, racista, homofóbica. Relatório publicado pela Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, da Universidade do Sul da Califórnia (USC), através da Iniciativa ‘Mídia, Diversidade & Mudança Social’ demonstra que, dentre outras coisas:

1. dos 30.835 personagens analisados, entre os 700 filmes, somente 30,2% deles eram mulheres. Isso gera uma proporção de 2,3 homens a cada 1 mulher;
2. em 2014, personagens brancos representaram 73,1% do total. Em contrapartida, 4,9% eram de origem hispânica/latinos, 12,5% eram negros, 5,3% eram asiáticos, 2,9% eram do Oriente Médio, menos de 1% eram índios americanos/nativos do Alasca/Havaí/Ilhas do Pacífico, e 1,2% eram de outras raças e/ou etnias. Os números são os mesmos entre todo o período de 2007 a 2014;
3. entre os 4.610 personagens dos 100 maiores filmes de 2014, apenas 19 eram lésbicas, gays ou bissexuais. Nenhuma personagem transgênero foi representada. 10 foram classificados como gays, 4 eram lésbicas e 5 bissexuais.

(FONTE: http://prosalivre.com/novo-relatorio-comprova-o-que-ja-sabiamos-falta-diversidade-em-hollywood/)


Mesmo diante de fatos como o supracitado, profissionais da Sétima Arte como Will Smith ("Um Homem Entre Gigantes"), Idris Elba ("Beasts of No Nation") e Samuel L. Jackson ("Os Oito Odiados") se destacaram nesta temporada e não esqueçamos do maravilhoso “Selma: a luta pela igualdade” que foi esnobado pelo Oscar na temporada passada, ficando com um Oscar de Canção Original que serviu de consolo para uma obra que merecia muito mais atenção. Todos os trabalhos que citei são competentes e não necessitam de cotas para alcançar prêmios (e eu falo aqui da premiação como o bem simbólico que ele representa tanto no plano afetivo quanto no mercadológico) mesmo que eles sejam irrelevantes para muitos. Enquanto a indústria cinematográfica, desde a sua produção, continuar fechada para a diversidade fica difícil colher diversidade na hora de apresentar os indicados aos prêmios mais importantes do cinema. Daí a importância de termos figuras como Cheryl Boone Isaacs (Mulher, Negra e Presidente da Academia) dando declarações como a feita após o anúncio dos indicados ao Oscar 2016 – aumenta, ainda mais, a minha admiração por ela. Em tempo, espero que a ausência de negros nas principais categorias do Oscar não seja esquecida pelo apresentador deste ano Chris Rock (Sim!!! O criador de “Everybody hates Chris”) no tradicional discurso de abertura da cerimônia. 

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