segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

GRAVIDADE (Gravity – EUA, 2013)

Direção: Alfonso Cuarón
            De uma forma geral, o ser humano é visto como um ser social cuja condição de sujeito só é possível a partir da sua relação com o todo que o cerca. Fugir a essa máxima é encarado pela sociedade de forma negativa – visto como algo anormal, conforme lembrei em minha resenha sobre o filme Na natureza selvagem. Todavia, como comentei naquela ocasião, muitas vezes o indivíduo se lança em uma viagem de autoconhecimento, a qual em geral tem como característica básica a solidão. Embora a solidão possa ser vista como uma sensação de vazio existencial e isolamento, é importante notar que tal estado nem sempre se impõe por forças externas, podendo o indivíduo, por conta própria, buscar na solitude um escape para seus conflitos emocionais. De uma forma ou de outra, o fato de não estarmos sozinhos no mundo nos coloca diante da quase inescapável busca pelo outro – seja isso algo bom ou ruim, sempre teremos a quem recorrer quando assim desejarmos, a não ser que estejamos isolados no espaço sideral, impossibilitado de se comunicar com quem quer que seja. É exatamente esta condição que se impõe em Gravidade do diretor mexicano Alfonso Cuarón.
            Após um acidente envolvendo destroços de um satélite russo recentemente destruído, que atingem o Hubble durante um conserto, a iniciante Ryan Stone e o experiente Matt Kowalski são lançado no espaço sem nenhuma forma de comunicação com sua base na Terra. Tal premissa, nas mãos de Cuarón, torna-se um thriller angustiante, o qual coloca em jogo a própria condição humana diante do universo.
Dominante em cena, a Dra. Ryan – interpretada por Sandra Bullock – vê-se diante de um estado limite no qual deve escolher entre a vida e a morte, algo que se torna mais conflitante ao entendermos o passado da personagem, marcado por um acontecimento deveras traumatizante e seu comportamento comparado ao do colega Kowalski (vivido por George Clooney) demonstra a distância que existe entre a experiência deste em relação à inexperiência dela. Assim, certas atitudes de Ryan, entregue à solidão e ao silêncio e, portanto, aos próprios conflitos emocionais enquanto luta pela vida, são justificáveis como quando sente grande alívio em ouvir a voz de um desconhecido, chegando, até mesmo, a conversar com um cachorro através de latidos. Tal acontecimento somado a certos momentos como o belo plano em que, despida de suas roupas espaciais pela primeira vez, Ryan flutua na gravidade zero tal qual um feto no útero materno (referência a 2001?), demonstram o quanto somos frágeis, sendo o universo o eixo comparativo mais que ideal.
            Outro elemento interessante de se notar é o fato de o planeta Terra estar presente na maioria dos planos, remetendo à memória que os personagens têm de lá (Kowalski em vários momentos relembra acontecimentos ocorridos em seu planeta natal), à extensão que os separa (inclusive servindo de referência para a distância entre as estações espaciais) e à meta que desejam alcançar.
            Além disso, o último ato do filme (spoiler) – que soou quase como um desenvolvimento da sequência final da obra-prima 2001: uma odisseia no espaço – coloca Ryan diante dos caprichos da natureza tal qual a vida em constante evolução e a sua exigência de que aprendamos a caminhar com os próprios pés. A própria ideia da vida que cai do céu, somada a elementos como Buda presente na estação chinesa e Jesus presente na estação russa, remetem a um tom de religiosidade contida que, em contraposição com o evolucionismo citado, traz à tona uma das discussões mais acaloradas da humanidade.

            Do ponto de vista técnico, impossível não citar a bela montagem e a bela trilha sonora que fornecem o teor de suspense que o filme transmite o qual, muitas vezes, beira o aflitivo. Ao mesmo tempo, a preocupação sonora, realçada, acreditem, pelo uso do silêncio (remetendo a velha máxima de que o som não se propaga no espaço) demonstra o carinho depositado por Cuarón nesta obra. Sem dúvida, uma boa pedida cinematográfica. 

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