Direção:
Alfonso Cuarón
De uma forma geral, o ser humano é visto como um ser
social cuja condição de sujeito só é possível a partir da sua relação com o
todo que o cerca. Fugir a essa máxima é encarado pela sociedade de forma
negativa – visto como algo anormal, conforme lembrei em minha resenha sobre o
filme Na natureza selvagem. Todavia,
como comentei naquela ocasião, muitas vezes o indivíduo se lança em uma viagem
de autoconhecimento, a qual em geral tem como característica básica a solidão. Embora
a solidão possa ser vista como uma sensação de vazio existencial e isolamento,
é importante notar que tal estado nem sempre se impõe por forças externas,
podendo o indivíduo, por conta própria, buscar na solitude um escape para seus
conflitos emocionais. De uma forma ou de outra, o fato de não estarmos sozinhos
no mundo nos coloca diante da quase inescapável busca pelo outro – seja isso
algo bom ou ruim, sempre teremos a quem recorrer quando assim desejarmos, a não
ser que estejamos isolados no espaço sideral, impossibilitado de se comunicar
com quem quer que seja. É exatamente esta condição que se impõe em Gravidade do diretor mexicano Alfonso Cuarón.
Após um acidente envolvendo destroços de um satélite
russo recentemente destruído, que atingem o Hubble durante um conserto, a iniciante
Ryan Stone e o experiente Matt Kowalski são lançado no espaço sem nenhuma forma
de comunicação com sua base na Terra. Tal premissa, nas mãos de Cuarón,
torna-se um thriller angustiante, o qual coloca em jogo a própria condição
humana diante do universo.
Dominante
em cena, a Dra. Ryan – interpretada por Sandra Bullock – vê-se diante de um
estado limite no qual deve escolher entre a vida e a morte, algo que se torna
mais conflitante ao entendermos o passado da personagem, marcado por um acontecimento
deveras traumatizante e seu comportamento comparado ao do colega Kowalski
(vivido por George Clooney) demonstra a distância que existe entre a
experiência deste em relação à inexperiência dela. Assim, certas atitudes de
Ryan, entregue à solidão e ao silêncio e, portanto, aos próprios conflitos
emocionais enquanto luta pela vida, são justificáveis como quando sente grande
alívio em ouvir a voz de um desconhecido, chegando, até mesmo, a conversar com
um cachorro através de latidos. Tal acontecimento somado a certos momentos como
o belo plano em que, despida de suas roupas espaciais pela primeira vez, Ryan
flutua na gravidade zero tal qual um feto no útero materno (referência a 2001?), demonstram o quanto somos frágeis,
sendo o universo o eixo comparativo mais que ideal.
Outro elemento interessante de se notar é o fato de o
planeta Terra estar presente na maioria dos planos, remetendo à memória que os
personagens têm de lá (Kowalski em vários momentos relembra acontecimentos ocorridos em seu planeta natal), à extensão que os separa (inclusive servindo
de referência para a distância entre as estações espaciais) e à meta que
desejam alcançar.
Além disso, o último ato do filme (spoiler) – que soou
quase como um desenvolvimento da sequência final da obra-prima 2001: uma odisseia no espaço – coloca Ryan
diante dos caprichos da natureza tal qual a vida em constante evolução e a sua
exigência de que aprendamos a caminhar com os próprios pés. A própria ideia da
vida que cai do céu, somada a elementos como Buda presente na estação chinesa e
Jesus presente na estação russa, remetem a um tom de religiosidade contida que,
em contraposição com o evolucionismo citado, traz à tona uma das discussões
mais acaloradas da humanidade.
Do ponto de vista técnico, impossível não citar a bela
montagem e a bela trilha sonora que fornecem o teor de suspense que o filme
transmite o qual, muitas vezes, beira o aflitivo. Ao mesmo tempo, a preocupação
sonora, realçada, acreditem, pelo uso do silêncio (remetendo a velha máxima de
que o som não se propaga no espaço) demonstra o carinho depositado por Cuarón
nesta obra. Sem dúvida, uma boa pedida cinematográfica.
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