sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

ALABAMA MONROE (The broken circle breakdown – Bélgica, 2013)

Direção: Felix Van Groeningen
            Alabama Monroe é um filme belga sobre luto ao som de bluegrass. É curioso partir dessa premissa, mas ao final do filme tal afirmação faz sentido e o espectador tem consciência de ter passado por uma experiência dolorosa cujo desenrolar poderia inclinar-se para o clichê. Poderia. Felix Van Groeningen elabora uma obra audiovisual poderosa que garantiu à Bélgica sua sétima indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
            Segundo nossa amiga Wikipédia (é certo referir-se no feminino?) o luto “é um conjunto de reações a uma perda significativa” e é justamente através dessas reações que somos convidados a conhecer as particularidades de Didier e Elise – ele, um cantor de bluegrass e ela uma tatuadora que carrega em seu corpo um pouco de suas memórias amorosas. Esse casal apaixonado é posto à prova quando a doença de sua única filha desenrola-se rumo ao inevitável (embora o inevitável aqui deva ser encarado como algo exageradamente precoce, tendo em vista que a menina conta apenas seis anos de vida) acaba oferecendo aos protagonistas um novo sentido para a frase “até que a morte os separe”.
            Assim como nos filmes Anticristo e Reencontrando a felicidade, Alabama Monroe explora as particularidades de cada personagem e a forma como elas influenciam a reação deles diante do luto e a escolha de Van Groeningen é acertada, pois nos apresenta a essas particularidades em doses homeopáticas. Dessa forma a edição nos leva e trás do passado para o presente várias vezes, sem preocupar-se com ordem cronológica em uma estratégia que serve, muitas vezes, para preservar o espectador da dura realidade que se apresenta.
            Também é importante notar que são as distinções de cada personagem que geram a principal discussão do filme, a qual envolve a questão da fé. Enquanto Elise encara a morte como uma forma de redenção divina a qual possibilita as mais inúmeras metáforas como a das estrelas, através da qual uma pessoa se torna um corpo celeste no pós-morte, Didier possui uma visão mais direta sobre o assunto, recusando-se a acreditar em algo que vá além do fato de que após a morte, a pessoa está morta. São essas características que, fornecidas ao espectador pouco a pouco, fornecem verossimilhança às atitudes do casal no que me pareceu ser o grande acerto de Van Groeningen.
            Outro acerto de Alabama Monroe é o uso do bluegrass que, em nenhum momento, parece interferir de forma prejudicial à narrativa, demonstrando a importância que a música tem para o casal – repare na beleza do primeiro plano do filme e em como ele é resgatado no meio da narrativa, revelando-se ser muito mais importante que parece.

            Alabama Monroe é realmente um filme sobre luto ao som de bluegrass, mas o luto deve ser encarado, lembrando que a morte não é a única forma de se ter perdas significativas – o que faz com que o filme tenha uma força ainda maior. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

FRANCES HA (Frances Ha – EUA, 2012)

Direção: Noah Baumbach
            Foi a partir da resenha de um jornal de grande circulação do Rio de Janeiro (pois é, só existe um) que me aproximei deste filme. A crítica o indicava como o “filme fofo” de 2013 e assistir a filmes fofos sempre, ou quase sempre, é uma experiência agradável – ainda mais se o diretor em questão ser o mesmo responsável por uma das obras mais interessantes da década passada (alo de A lula e a baleia). Assim sendo, assisti a este Frances Ha sem conhecer muito a história, limitando-me a saber que era filmado em preto e branco e ambientado em Nova Iorque nos conturbados tempos de hoje.
            Frances é uma jovem de vinte e sete anos que, diante das conturbadas relações que se estabelecem atualmente, parece ter dificuldades em assumir a vida adulta e suas responsabilidades. Roteirizado por Baumbach juntamente com Greta Gerwig (que também dá vida a personagem título), France Ha acompanha as transformações que ocorrem na vida da protagonista quando sua melhor amiga, com quem divide um apartamento, resolve se juntar com o namorado, obrigando a jovem a repensar sua vida. O fato se torna mais chocante para Frances, pois esteve perto de passar pela mesma situação, embora, no seu caso, tenha preferido manter-se na zona de conforto representada pela presença da amiga com a qual realiza suas brincadeiras e projeta um futuro idealizado.
            Diante disso, acompanhamos as várias mudanças de apartamento pelas quais Frances passa, conhecendo novos personagens, cada um com seus projetos e suas lutas particulares para realizá-los. A questão é que Frances parece assumir uma postura passiva/ingênua em relação aos fatos e, assim, acaba perante a difícil decisão entre seu sonho de se tornar uma grande bailarina e a necessidade de ganhar dinheiro para o seu sustento.
            Através de diálogos bem elaborados e ações bem estruturadas (tanto nos momentos engraçados quanto nos momentos sérios), Frances Ha em momento algum parece inverossímil, assumindo uma postura diegética que poderia ser vivenciada por qualquer um e sua fotografia em preto e branco, somado a sua trilha sonora recheada de clássicos que remetem aos anos 80 oferecem uma experiência muito agradável – uma vez que todos os elementos ajudam a humanizar Frances sem torná-la uma personagem trágica ou excessivamente cômica.
            Sem dúvida alguma um “filme fofo” que vai muito além de ser simplesmente fofo. 

A CAÇA (Jagten – Dinamarca, 2012)

Direção: Thomas Vinterberg
           
Thomas Vinterberg é um diretor que, juntamente com outro cineasta dinamarquês – Lars Von Trier, idealizou um movimento cujo objetivo era estabelecer regras para a realização cinematográfica no intuito de resgatar a sétima arte de seu afogamento comercial. Esse movimento recebeu o nome de Dogma 95 e o primeiro filme a seguir religiosamente o chamado “voto de castidade” – nome dado ao conjunto de regras que os cineastas devem respeitar para receberem o Certificado Dogma 95 – foi uma obra de Vinterberg intitulada Festa de Família. Naquela ocasião, nos idos de 1998, o diretor abordou um assunto bem polêmico: a pedofilia. Quatorze anos depois – tendo o movimento Dogma 95 sofrido algumas adaptações naturais – Vinterberg retorna a essa temática no ótimo A Caça, filme que garantiu À Dinamarca sua décima indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
            Ambientado em uma comunidade dinamarquesa, somos apresentados a Lucas, um professor de jardim de infância, o qual – carinhoso com seus alunos – é respeitado por todos a sua volta, seja no trabalho ou nas questões pessoais, já que está envolvido em um difícil processo de separação, o que inclui seu desejo de estar próximo do filho.
            Todo esse respeito vem por água abaixo da noite para o dia quando uma aluna, motivada por sua imaginação inventiva e um ato impensado de um amigo de seu irmão adolescente, confunde seus sentimentos e acaba acusando seu professor de tê-la abusado sexualmente. Baseado, justamente, no fato de as crianças serem “incapazes de mentir”, as acusações sobre Lucas vão tomando maiores proporções, o que faz com que praticamente toda a comunidade se volte contra o professor, sendo que todas as alegações baseiam-se na torpe imaginação dos adultos.
            Com uma fotografia belissimamente estruturada, A Caça usa sua iluminação para desenhar as transformações pelas quais passa o protagonista, que, submerso nessa atmosfera, busca manter sua dignidade. Neste ponto é importante ressaltar a fantástica atuação de Mads Mikkelsen (Palma de Ouro em Cannes), cuja concepção de personagem é brilhante nessa busca incessante pela verdade – em alguns momentos Lucas lembra Joseph K, personagem kafkaniano que não tem noção do teor das acusações que caem sobre ele – e pela manutenção de sua sanidade física e mental. Dessa forma, se ao início da película Lucas aparece sempre sorridente, brincando com as crianças ou com seus amigos, no segundo ato o personagem já se apresenta de uma forma bem mais introspectiva, como que refletindo sobre a situação que o acometeu e calmo, na tentativa de manter sua postura junto ao filho adolescente – que diante das acusações que o pai sofre, desespera-se, culminando, no terceiro ato, com atitudes mais catárticas, fruto da forma como os que o rodeiam escolhem para atacá-lo e aos seres que ama. Todavia é no desfecho da narrativa que conhecemos Lucas como um homem de temperamento bem particular e suas atitudes com relação aos que outrora o atacavam demonstra isso - comportamento que muito me lembrou de outro filme indicado ao Oscar deste ano, Philomena.

            A caça é uma obra visceral sobre como uma simples inverdade pode jogar a vida de um indivíduo num vertiginoso abismo de onde é muito, mas muito difícil de sair, mesmo que as circunstâncias possam estar a seu favor. 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

ADEUS, LÊNIN! (Goodbye, Lenin! – Alemanha, 2002)

Direção: Wolfgang Becker
            Não são poucos os filmes alemães que figuram nas listas dos grandes da historiografia do cinema. Títulos como O Gabinete do Dr. Caligari, Metrópolis, M- o vampiro de Dusseldorf são frutos de terras germânicas, bem como O triunfo da vontade, propaganda mais que funcional do projeto nacional-socialista, obra-prima de Leni Riefenstahl e referência obrigatória para estudantes de cinema – em especial o documentário. Na última década foi possível perceber um renascimento do cinema alemão, chegando às telas ótimas películas como Corra, Lola, corra, A vida dos outros, Lugar nenhum na África, A onda e este maravilhoso Adeus, Lênin!.
            Passado no período da queda do muro de Berlim, o filme de Wolfgang Becker serve, não apenas como referência histórica para o país em questão, mas como tratado político sobre um momento em que as ideologias perdem espaço e sentido para a sociedade de uma forma geral.
            O protagonista Alexander Kerner cresceu na Alemanha Oriental e é testemunha ocular (e não apenas ocular, se lembrarmos da cena em que é agredido por policiais durante uma manifestação – como diria a mídia brasileira “em sua maioria pacífica”) das transformações pelas quais a região passou a partir da crise do socialismo soviético e o avanço do capitalismo, culminando na reunificação alemã. Entretanto sua mãe, Christiane, esteve em coma durante todo o processo e ignora as profundas mudanças ocorridas e, sabendo que ela tinha grande conexão com o regime político outrora vigente, Alex decide esconder dela a nova condição do país, evitando, assim, uma nova carga de estresse que possa levá-la a óbito.
            Carregado por um claro sentimento de nostalgia, Becker demonstra em seu filme como aquela sociedade, apesar das ditas vantagens provenientes do mercado capitalista, sente falta de seu antigo regime. Assim é interessante notar como um personagem se dá conta de que uma das consequências práticas dessa transformação seja o fato das pessoas serem levadas a revirar o lixo em uma das melhores tiradas da película.
            E se o avanço do capitalismo torna-se cada vez mais descontrolado, tal situação vai se tornando um conflito maior para Alex, que busca junto a conhecidos as mais divertidas formas de manter sua mãe em uma ilusão mais que idealizada, se levarmos em conta que o país que Alex apresenta a todos é aquele que sonhava, diferente do que existiu e do que existe – algo que é lembrado em cenas como o maravilhoso desfecho envolvendo um cartaz da Coca-Cola e as explicações dadas a Christiane sobre curioso ato migratório de ocidentais para o lado oriental. Todavia não posso deixar de mencionar a poética cena de Christiane olho a olho com personagem-título do filme – a estátua do líder da revolução russa destronada, estendendo sua mão em direção a ela como que numa despedida, mas também quase como uma súplica, um desejo desesperado por ajuda ou qualquer mão amiga a quem possa se segurar.
            Adeus, Lênin! figura, sem dúvida alguma, nas listas dos melhores filmes da década passada e é uma ótima pedida para discussões acaloradas, partindo de uma premissa nem um pouco convencional e embalada pela ótima trilha sonora de Yann Tiersen e ótimas atuações de Daniel Brühl e Katrin Sass. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

GRAVIDADE (Gravity – EUA, 2013)

Direção: Alfonso Cuarón
            De uma forma geral, o ser humano é visto como um ser social cuja condição de sujeito só é possível a partir da sua relação com o todo que o cerca. Fugir a essa máxima é encarado pela sociedade de forma negativa – visto como algo anormal, conforme lembrei em minha resenha sobre o filme Na natureza selvagem. Todavia, como comentei naquela ocasião, muitas vezes o indivíduo se lança em uma viagem de autoconhecimento, a qual em geral tem como característica básica a solidão. Embora a solidão possa ser vista como uma sensação de vazio existencial e isolamento, é importante notar que tal estado nem sempre se impõe por forças externas, podendo o indivíduo, por conta própria, buscar na solitude um escape para seus conflitos emocionais. De uma forma ou de outra, o fato de não estarmos sozinhos no mundo nos coloca diante da quase inescapável busca pelo outro – seja isso algo bom ou ruim, sempre teremos a quem recorrer quando assim desejarmos, a não ser que estejamos isolados no espaço sideral, impossibilitado de se comunicar com quem quer que seja. É exatamente esta condição que se impõe em Gravidade do diretor mexicano Alfonso Cuarón.
            Após um acidente envolvendo destroços de um satélite russo recentemente destruído, que atingem o Hubble durante um conserto, a iniciante Ryan Stone e o experiente Matt Kowalski são lançado no espaço sem nenhuma forma de comunicação com sua base na Terra. Tal premissa, nas mãos de Cuarón, torna-se um thriller angustiante, o qual coloca em jogo a própria condição humana diante do universo.
Dominante em cena, a Dra. Ryan – interpretada por Sandra Bullock – vê-se diante de um estado limite no qual deve escolher entre a vida e a morte, algo que se torna mais conflitante ao entendermos o passado da personagem, marcado por um acontecimento deveras traumatizante e seu comportamento comparado ao do colega Kowalski (vivido por George Clooney) demonstra a distância que existe entre a experiência deste em relação à inexperiência dela. Assim, certas atitudes de Ryan, entregue à solidão e ao silêncio e, portanto, aos próprios conflitos emocionais enquanto luta pela vida, são justificáveis como quando sente grande alívio em ouvir a voz de um desconhecido, chegando, até mesmo, a conversar com um cachorro através de latidos. Tal acontecimento somado a certos momentos como o belo plano em que, despida de suas roupas espaciais pela primeira vez, Ryan flutua na gravidade zero tal qual um feto no útero materno (referência a 2001?), demonstram o quanto somos frágeis, sendo o universo o eixo comparativo mais que ideal.
            Outro elemento interessante de se notar é o fato de o planeta Terra estar presente na maioria dos planos, remetendo à memória que os personagens têm de lá (Kowalski em vários momentos relembra acontecimentos ocorridos em seu planeta natal), à extensão que os separa (inclusive servindo de referência para a distância entre as estações espaciais) e à meta que desejam alcançar.
            Além disso, o último ato do filme (spoiler) – que soou quase como um desenvolvimento da sequência final da obra-prima 2001: uma odisseia no espaço – coloca Ryan diante dos caprichos da natureza tal qual a vida em constante evolução e a sua exigência de que aprendamos a caminhar com os próprios pés. A própria ideia da vida que cai do céu, somada a elementos como Buda presente na estação chinesa e Jesus presente na estação russa, remetem a um tom de religiosidade contida que, em contraposição com o evolucionismo citado, traz à tona uma das discussões mais acaloradas da humanidade.

            Do ponto de vista técnico, impossível não citar a bela montagem e a bela trilha sonora que fornecem o teor de suspense que o filme transmite o qual, muitas vezes, beira o aflitivo. Ao mesmo tempo, a preocupação sonora, realçada, acreditem, pelo uso do silêncio (remetendo a velha máxima de que o som não se propaga no espaço) demonstra o carinho depositado por Cuarón nesta obra. Sem dúvida, uma boa pedida cinematográfica.