Direção: Gus Van Sant
O diretor Gus Van Sant é conhecido por seus trabalhos experimentais como Elefante e Últimos Dias. Paranoid Park é um desses experimentos cinematográficos bem sucedidos que utiliza elementos de linguagem pontuais para tratar de um tema recorrente nos trabalhos do diretor – as pressões do dia-a-dia da adolescência.
No caso específico de Paranoid Park, um jovem narra seu desespero perante a morte de um segurança causada por ele e cujo segredo o leva a escrever um diário para dissertar sobre o fato. Essa morte, no contexto fílmico, aparece como um acontecimento aparentemente principal, mas que, na verdade, surge como estopim a partir do qual todas as discussões realmente relevantes da história se revelam – o Macguffin tão utilizado por Hitchcock em suas obras. O importante em sua narrativa é mostrar as várias frentes de pressão que acometem o protagonista Alex, um skatista que juntamente com um amigo passam a freqüentar o parque cujo nome dá título ao filme.
Dessa forma, toda estrutura de linguagem aplicada no filme remete ás confusões psicológicas enfrentadas por Alex nesse momento de sua vida e que se agravam após o incidente com o segurança. A montagem do filme não segue uma linearidade – o que favorece o filme cuja premissa é traçar uma mente conturbada pela situação – indo e vindo no tempo, repetindo cenas sob outros pontos de vista – algo bem recorrente em Elefante. Aliás, a montagem não é a única referência que van Sant faz ao seu filme vencedor da palma de ouro em Cannes; o próprio ambiente escolar, movimentos de câmera, relacionamentos vazios entre personagens e, não poderia deixar de citar, a cena em que Alex vomita no banheiro da escola, que, em muito, lembra as bulímicas do filme de 2003, são fortes indícios de um modo van Sant de contar uma história.
Entretanto o que me chama a atenção em Paranoid Park é o trabalho de som feito na estrutura fílmica. Todo som que ganha destaque em sua narrativa remete aos complexos psíquicos do personagem principal: o som das rodinhas do skate no chão de concreto, o trem passando no momento do acidente com o segurança, o trovão seguido da chuva, a água caindo do chuveiro, as tessituras musicais utilizadas na trilha sonora (acompanhadas por texturas de imagens precisas ao longo do filme). Chama atenção a cena em que Alex, ao sair de casa com o carro de sua mãe, ouve uma música de hip hop – claramente uma utilização diegética da trilha sonora – enquanto dança o que ouve. Através de um corte seco o hip hop se transforme em música clássica e a expressão do protagonista é completamente tensa – neste caso, é impossível afirmar que o uso da música tenha sido feito diegética ou extra-diegeticamente (em breve, disserto sobre o conceito de trilha sonora diegética e trilha sonora extra-diegética). Todos esses elementos sonoros refletem a dúvida que Alex possui em assumir o erro que cometeu por acidente, enquanto nos mergulha na conturbada mente de um rapaz que vive em um ambiente familiar vazio (pais separados que segundo o próprio rapaz não se importam muito com o que ele faz, com quem ele sai e que lugares freqüenta) ou quase vazio (não devo deixar de citar a fala do irmão mais novo de Alex quando ele pede o carro da mãe emprestado: e siga as regras, senhor!).
Esse vácuo familiar poderia ser preenchido pelas outras relações que Alex viria a ter em seu meio social, entretanto o seu namoro com a jovem Jennifer parece ser mais vazio que qualquer outro. Desde o começo do filme fica claro como é um relacionamento cuja existência se dá contra a vontade do rapaz – ele sabe que o único desejo da jovem é perder a virgindade, mas também sabe que realizar esse desejo pode significar uma dor de cabeça muito maior para o futuro e por tal razão, Alex reluta em ultrapassar a barreira do sexo com sua namorada. Não é a toa que a relação sexual se dá num momento de fraqueza do rapaz e se torna muito fria a reação da jovem após o orgasmo (dela... não fica claro se ele alcançou o orgasmo ou sequer sentiu prazer nessa transa) precisamos de mais camisinhas, seguido da fala em off dela comemorando o fato com uma amiga enquanto vemos uma expressão sobrecarregada do protagonista. Esse vazio leva Alex a confessar que buscava amizade no tal paranoid park, um lugar considerado barra pesada onde vários skatistas se reúnem. Uma situação que, cada vez mais, aflige os jovens – a falta de relacionamentos reais, aqueles que realmente completam nossas necessidades mais simples: fugir da solidão, ter alguém com quem se abrir (não é a toa que o companheiro de Alex mais sincero seja o caderno onde ele discorre sua história recente). Nesse momento entra a figura de Macy, a única pessoa que parece realmente se preocupar com Alex – a amiga com quem ele conversa, mas não se abre. Ao longo da narrativa, é ela quem indica a Alex escrever as situações que o afligem em um caderno e o fato do rapaz fazer exatamente o que ela sugere com suas anotações nos faz crer que ele confia na jovem.
Mais uma vez Gus van Sant soube se apropriar da linguagem cinematográfica, em suas inúmeras possibilidades, para traçar uma história sem cair no clichê usual dos filmes sobre adolescente. Estou muito curioso para ver o último trabalho do diretor, Milk, que eu espero poder dissertar em breve por aqui.
Um comentário:
Muito bom texto. Como sempre, li e aprendi muitas coisas sobre cinema. A resenha está bem detalhada, com bastante informação. É bom ver que voltou a atualizar o blog!! Espero por mais!
Abraço.
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