domingo, 21 de dezembro de 2008

Réquiem para um sonho (Requiem for a dream - EUA, 2000)



Dir: Darren Aronofsky

Logo no início do primeiro ato deste tenebroso retrato, cujo lançamento, de certa forma, abriu as portas para a produção cinematográfica do século XXI, a protagonista da história diz para si mesmo: isso não está acontecendo. E, se estivesse, estaria bem... tudo vai ficar bem. Solta ao vento, essa fala não parece ter importância, mas ao término de Réquiem para um Sonho ela ganha proporções inimagináveis as quais mostram a ingenuidade que apresentam os personagens ao início – ingenuidade que irá desembocar num processo de autodestruição cujo ápice nos faz mergulhar em um dos momentos mais alucinantes do cinema recente.

Réquiem é uma cerimônia religiosa composta, geralmente, para funerais – o termo, em latim significa repouso. O título do filme se apropria do termo para nos preparar para o que vem a ser um funeral de sonhos. Dividido em atos bem determinados (não me refiro aqui aos atos designados por Syd Field em seu livro Manual do Roteiro, mas aos atos clássicos do teatro), a história começa durante o verão, onde os sonhos brotam nas vidas dos personagens principais. Seja a perspectiva de constituir família, conseguir trabalhar naquilo que gosta ou participar do programa de televisão favorito, Réquiem para um sonho já em seus minutos iniciais deixa claro que aquilo que espera seus personagens nem de longe flerta com um final feliz.

Aronofsky é um diretor relativamente novo, ganhando reconhecimento a partir do final da década passada com sua obra Pi cujo sucesso lhe garantiu a possibilidade de produzir seu projeto seguinte com verba superior. Entretanto, Réquiem para um sonho não é um filme que lança mão de efeitos especiais caríssimos para desenvolver sua linha narrativa, preferindo utilizar-se da montagem para determinar o seu ritmo e, por conseqüência, transmitir os anseios e desesperos de seus personagens. A título de curiosidade, a montagem de Réquiem para um sonho possui mais de dois mil cortes, enquanto que um filme comum tem, em média, entre seiscentos e setecentos.

A história gira em torno de quatro personagens próximos que, de alguma forma, se entregam às drogas tornando-se dependentes químicos. Dentre eles está Sara Goldfarb, mãe de família que sofre com o filho roubando sua televisão freqüentemente para comprar drogas. Ela acaba sendo convidada para participar de seu programa favorito e, sob essa perspectiva, trata de buscar auxilio para emagrecer a fim de que possa entrar em seu vestido favorito (o mesmo que ela usou na formatura do filho anos antes). Através do contato com os remédios de emagrecimento, acompanhamos a degradação dessa senhora, maravilhosamente interpretada por Ellen Burstyn cuja indicação ao Oscar deveria ter sido confirmada em prêmio (infelizmente a Academia preferiu a Erin Brockovich de Julia Roberts). Ironicamente, a pessoa que mais demonstra preocupação com ela é Harry (Jared Leto) – o filho viciado em cocaína e heroína. Harry passa o dia utilizando drogas e buscando lucrar com o tráfico das mesmas com seu amigo, também viciado, Tyrone (Marlon Wayans). Enquanto isso, a namorada do rapaz, Marion (Jennifer Connelly), nutre seu sonho de trabalhar com moda, mas sem deixar de utilizar suas drogas.

O desenvolvimento dessa narrativa vai se tornando cada vez mais tenso, culminando em um terceiro ato alucinante – considerado, por muitos, forte para o estômago. Entretanto a mensagem deixada ao fim da película se torna um registro de uma degradação, cada vez mais, comum em nossa sociedade. A fuga do real ou a busca por remédios demonstram o quão despreparado estamos para lidar com as pressões do dia-a-dia e devo registrar que essa produção conseguiu traduzir de forma cinematográfica tais questões, utilizando corte rápidos, divisão da tela e um trilha sonora cujo tema principal tornou-se tão conceituado que foi utilizado no trailer do segundo filme da trilogia Senhor dos Anéis.

Aronofsky tem tudo para se tornar um diretor conceituado, seus projetos vêm sendo bem recebidos pela crítica e pelo público (aqui me refiro a Pi, Réquiem para um sonho e Fonte da Vida em ordem cronológica). Réquiem para um sonho é um belo exemplar cinematográfico e deve sempre constar em uma lista dos dez melhores filmes dos últimos dez anos.

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