MELHOR CURTA-METRAGEM DE FICÇÃO – Esta é a única categoria da qual não assisti a nenhum indicado. Assim sendo, parafrasearei Glória Pires e direi: “prefiro não comentar”.
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO – Tendo visto quatro dos
cinco indicados na categoria (eles estão disponíveis no YouTube),
considero que o filme mais tocante, dentre os assistidos, é
“Negative space”. Utilizando
a técnica de stop motion, o filme trata de afeto, perda e
memória com um olhar muito criativo e tocante. Devo destacar também
o belo trabalho de “Garden party”,
que beira a perfeição ao retratar uma
festa de sapos, rãs e pererecas em uma mansão abandonada. “Lou”,
produção da Pixar, apesar de fofo e da mensagem que deixa, me
parece mais do mesmo e com o favoritismo de “Viva” na categoria
de longa de animação, enxergo
a necessidade de abrir os horizontes para outras narrativas. Já
“Dear Basketball”
parece apostar no sentimentalismo proveniente de uma das figuras mais
bem-sucedidas do basquete em um relato pessoal que toca, mas em nada
é original. Não consigo
apontar um favorito – até por não ter visto todos os indicados.
MELHOR CURTA-METRAGEM DOCUMENTAL – Assisti a três dos cinco
indicados e fui positivamente surpreendido pelas propostas de todos.
“Heroína(s)” (disponível
na Netflix) acompanha três mulheres envolvidas no combate ao
excessivo número de mortes por overdose de heroína na
cidade de Huntington (conhecida como a capital americana da
overdose). Através
de um tratamento humanizado, uma assistente social, uma bombeira e
uma juíza analisam o triste cenário do vício e as possíveis
estratégias para superá-lo. Destaque para a fala de uma das
retratadas do documentário que compara o poder da droga no seu
organismo ao poder proveniente
de um beijo em Jesus. “Edith + Eddie”
(disponível no YouTube com legendas em português) nos apresenta ao
mais velho casal inter-racial dos Estados Unidos. Ele, com noventa e
cinco anos, e ela, com noventa e seis, se conheceram graças a uma
aposta na lotérica e imediatamente começaram a dividir suas vidas.
O cotidiano do casal – ir à igreja e receber amigos em casa – é
afetado por uma decisão judicial que dá poderes a uma estranha para
decidir em nome de Edith e pela polêmica opção de levá-la para
longe do homem que ama, escancarando uma discussão que, tomado o
ponto de vista da câmera, vai
desde como lidar com os idosos até o preconceito racial. Meu
favorito, no entanto, é “Heaven
is a traffic jam on the 405”(disponível
no YouTube). O corajoso relato de Mindy Alper, presa
a episódios de abusos, depressão e ansiedade, sobre sua família e
sua arte remetem muito ao trabalho realizado no Brasil por Nise da
Silveira e ganha profunda expressividade por nos possibilitar
acompanhar o seu dia a dia e parte do seu processo de criação (eu
realmente espero que ele saia vencedor no domingo – apesar de não
ter assistido a dois dos concorrentes). Não me surpreenderei caso
“Edith + Eddie”
saia vencedor.
MELHORES EFEITOS VISUAIS – Desde sempre, considero que os
efeitos visuais, assim como todo o aparato técnico de um filme,
devem existir em função da narrativa, funcionando como elemento
impulsionador e não como a base ou a verdade sob a qual a narrativa
se esconde. Observar o desenvolvimento desta categoria é uma
deliciosa viagem pela imaginação humana e é impressionante o que
os profissionais desta área foram capazes de fazer ao longo da
história do cinema. Não esqueçamos que, por princípio, o cinema é
um efeito visual – a ilusão das imagens em movimento. Desde agosto
do ano passado, defendo que o prêmio da categoria tem de
ir para “Planeta dos Macacos: a guerra”.
O uso dos efeitos é de uma
perfeição ímpar e impulsiona uma narrativa que necessita de
primeiros planos para transmitir a tensão do drama vivido por Cesar
e companhia. A conquista do prêmio do sindicato indica que “Planeta
dos macacos: a guerra”
repetirá o feito no Oscar e, justiça seja feita, merece muito.
Observação Importante
As diferenças entre as categorias de Mixagem de Som e de Edição de
Som parecem tão sutis que, em geral, o resultado das duas tendem a
ser o mesmo ao abrir dos envelopes (ou, até mesmo antes, quando do
anúncio dos indicados – basta observar que os cinco nomeados da
categoria este ano são os mesmos). É importante, no entanto, saber
diferenciá-las para poder, ao menos tentar, ser justo na hora de
afirmar que uma produção é merecedora desses prêmios. Quando
assisti a “Blade Runner: 2049”,
fui taxativo em afirmar que
ele sairia vencedor das categorias sonoras do Oscar. Mantive essa
certeza até assistir a “Dunkirk”,
quando passei a me dividir sobre as categorias. Felizmente (não para
as produções, porque, afinal, eu não sou membro da Academia), pude
me basear nas sutilezas de cada categoria para decidir em favor dos
dois filmes. Numa análise
bem simplista, deve-se atentar para o fato de que a Edição de Som é
responsável por tudo que ouvimos durante a narrativa fílmica
enquanto a Mixagem de Som responde pela interação dos elementos
sonoros da obra. Foi baseado nessas distinções que busquei decidir
meus favoritos pessoais a essas categorias.
MELHOR EDIÇÃO DE SOM - Dentro da noção de "tudo que ouvimos no filme", fiquei positivamente surpreendido pelo trabalho apresentado em “Em ritmo de fuga”, mas daria meu voto a “Blade Runner: 2049”. O filme de Villeneuve exige uma ambientação sonora baseada em sons de naturezas distintas a fim de nos transportar para o momento do filme (no caso: o ano 2049). O sindicato de editores de som premiou "Blade Runner: 2049" na categoria efeitos sonoros, enquanto "Dunkirk" saiu vencedor na categoria edição de trilha sonora.
MELHOR MIXAGEM DE SOM – A boa interação sonora em
“Dunkirk” é fundamental para transmitir a tensão
existente na narrativa, algo muito bem explorado em uma obra que opta
por esconder o antagonista (nenhum alemão aparece filme), cabendo, portanto, a
outros elementos o papel de traduzir a angústia que se impõe aos
personagens. Repare na cena abaixo como a trilha sonora some para dar lugar a um silêncio gradativamente ocupado pelo som ameaçador dos aviões inimigos e como o som das bombas explodindo é abafado pelos ouvidos tapados do jovem soldado inglês. (O filme de Nolan venceu o prêmio do sindicato, consolidando seu favoritismo no Oscar)
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL – Esta categoria, a princípio, premia
aquela canção que melhor interage com a narrativa do filme que a
inspirou. Assim sendo, canções como “Remember me” (“Viva:
a vida é uma festa”) e “This
is me” (“O rei do show”)
levam vantagem por terem papel diegético na ação dramática. A
história da categoria, no entanto, demonstra que essa noção
ampliou-se e o prêmio de melhor canção original comumente é
entregue a uma tradução musical de uma narrativa fílmica. Baseado
nisso, daria meu voto a “Mystery of love” de “Me
chame pelo seu nome”.
Fico
feliz em saber que a produção da cerimônia decidiu por convidar
todos os intérpretes a apresentarem as canções durante a cerimônia
(em várias edições anteriores, intérpretes e canções não foram
incluídos no programa, algo, no mínimo, injusto com os envolvidos). Importante ressaltar a força de Mary J. Blidge que, acumulando as indicações de melhor atriz coadjuvante e de melhor canção original, pode sair com a estatueta nesta categoria por "Mighty River" ("Mudbound: lágrimas sobre o Mississipi"), um filme que merecia mais visibilidade na premiação.
MELHOR TRILHA SONORA ORIGINAL – Lá se vão mais de vinte
anos desde que Hans Zimmer ganhou o Oscar pela trilha original de
“Rei Leão”. Desde então,
Zimmer passou por momentos pouco inspirados até que iniciou uma nova
parceria – com o diretor Christopher Nolan nos filmes da trilogia
“Cavaleiro das Trevas”. A partir daí, o alemão vem tendo
momentos muito inspirados como “Interestelar” e
este “Dunkirk”. Mais
que isso, a trilha sonora de Hans Zimmer tem papel fundamental para
traduzir a tensão do momento, uma vez que trata-se de uma obra de
poucos diálogos, sem um protagonista claro e com um antagonista
invisível. O ano de 2017 deve ser lembrado, ademais, como um
excelente momento do compositor, pois, além de “Dunkirk”,
Zimmer foi responsável pela trilha de “Blade Runner:
2049” e acreditei, inclusive,
na possibilidade dele concorrer contra ele mesmo nesta categoria.
Destaco um dos seus concorrentes, a bela trilha sonora de “Trama
fantasma”, que demonstra o
quanto Johnny Greenwood se consolidou como um grande compositor de
trilhas.
MELHOR
MAQUIAGEM E CABELO –
A transformação de Gary Oldman em Winston Churchill passa pela
maquiagem, mas não só. Não fosse a performance do ator por baixo
da caracterização, o filme seria um desastre (uma vez que o roteiro
não ajuda muito) com uma bela maquiagem. Felizmente, Oldman estava
ali para nos proporcionar mais uma bela atuação, valorizando ainda
mais o belo trabalho de maquiagem realizado em “O
destino de uma nação”.
MELHOR
FIGURINO
– Confesso
ter dificuldades para avaliar esta categoria. Figurino,
muito mais que uma recriação de época, é um meio de transmitir as
sensações e os momentos dos personagens. Dividido
entre “Trama
fantasma” e
“A
forma da água”,
pendi para o filme de Del Toro, pois considerei que os figurinos
deste dialogam mais com os momentos da narrativa, mesmo sabendo que o
filme de Paul Thomas Anderson se passa no mundo da moda. Dessa forma,
meu voto seria de “A
forma da água”.
MELHOR
DESIGN
DE PRODUÇÃO
– Uma
história bem contada depende de um bom design de produção, pois é
a forma de se inserir a narrativa em seu espaço-tempo. O design de
produção ganha notoriedade quando o filme retrata uma época do
passado e, por isso, é
comum que os indicados nesta categoria sejam filmes históricos ou
futuristas. Mas é preciso assinalar que filmes que retratam épocas
mais recentes e não necessariamente ligadas a eventos históricos
possuem seu valor: vide a recriação dos anos 80 em “Me
chame pelo seu nome”
ou o início do século XXI em “Lady
Bird: a hora de voar”.
Dentre os cinco indicados (quatro de época – sendo dois do período
da Segunda Guerra Mundial e um do período de Guerra Fria – e um
futurista), meu voto iria para “A
forma da água”.
A composição de ambientes que evocam sentimentos distintos entre os
personagens foi fundamental para minha escolha. Do laboratório
opressivo e que precisa ser constantemente limpo, indicando uma
sujeira ideológica incrustada, até o local onde vive a protagonista
– espaço aberto aos sonhos (o cinema, as pinturas do vizinho),
passando pela casa opressiva da amiga de trabalho e a lanchonete onde
o vizinho homossexual procura uma paixão platônica, o trabalho de
recriação de época é excelente. Para o sindicato, “A
forma da água”, “Blade Runner: 2049”
e “Logan”
foram os vencedores. Como o filme do Wolverine não foi indicado ao
Oscar, a briga será entre os dois primeiros, colocando passado e
futuro em uma disputa que, creio, tende para o passado.
MELHOR FOTOGRAFIA – Após noventa longos anos, a Academia
finalmente indicou uma mulher nesta categoria. É um indicador que,
somado às pouquíssimas mulheres nomeadas ao prêmio de melhor
direção, aponta para o papel de coadjuvante infligido às mulheres
nas produções de Hollywood. Digo isso, pois o prêmio de melhor
fotografia deve ser entendido como um dos principais nos quesitos
técnicos, uma vez que não é possível imaginar a imagem sem uma
iluminação que possibilite, ao menos, enxergarmos a ação
dramática. A partir desse princípio, é possível subvertê-lo com
o uso da sombra e das inúmeras variedades de luz (tons e
incidências) para criar a expressividade necessária a determinada
narrativa. Não seria uma surpresa se Rachel Morrison levasse a
estatueta por “Mudbound: lágrimas sobre o Mississipi”.
A concorrência, no entanto, conta com um dos nomes mais aclamados da
área: Roger Deakins. Quatorze vezes indicado ao Oscar (incluindo por
aquela maravilha estética
que é “O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert
Ford”), Deakins nunca levou o
prêmio para casa e, tudo leva a crer (vem
colecionando prêmios na temporada, incluindo o sindicato –
principal termômetro da disputa),
que, este ano, ele, finalmente, levantará a estatueta mais cobiçada
da indústria cinematográfica pelo seu trabalho em “Blade
Runner: 2049”. O
apuro estético de Deakins em cenas como a da luta no cassino prova
sua capacidade técnica e expressiva e comprova ser ele merecedor
deste prêmio.
MELHOR EDIÇÃO – Nesta categoria, premia-se “a forma do
filme” (não é um trocadilho com a obra de Del Toro, mas uma
referência a um dos grandes desbravadores da montagem
cinematográfica: Sergei Eisenstein). Não é simplesmente
transformar quarenta horas filmadas em um filme de duas horas; é dar
ritmo a narrativa, criando tensão, expectativa, aproximando ou
afastando elementos temporais e, até mesmo, criando atuações (sim!
Existem atuações que são totalmente montadas em uma ilha de edição
e, algumas delas, chegam a garantir prêmios aos intérpretes). Não
à toa, alguns consideram o diretor de montagem como o braço direito
do diretor e, tomada a importância que a edição tem no processo
cinematográfico, é comum um diretor temer entregar seu material
bruto nas mãos de outra pessoa, optando por acumular as duas
funções. Este ano, ao analisar os cinco indicados, considerei “Em
ritmo de fuga” o
mais original e a ela daria meu voto. O sindicato preferiu “Dunkirk”,
apontando o provável vencedor de domingo. Uma curiosidade importante
de se levar em conta é que, historicamente, para sagrar-se campeão na categoria de
melhor filme, uma produção deve estar indicada a melhor edição e,
observando os cinco indicados, conclui-se que “Dunkirk”, “A
forma da água” e “Três anúncios para um crime” saem com
vantagem para a principal categoria da noite.
MELHOR DOCUMENTÁRIO – Documentário é filme! Falo isso
para desconstruir esse muro levantado entre ficção e documentário
e que denota o termo “filme” unicamente à modalidade ficção.
Documentário é um gênero cinematográfico aberto, tanto quanto
qualquer outro, à poética da linguagem da sétima arte. Muito
influenciado por isso, meu voto iria para “Visages Villages”.
O filme de Agnés Varda e JR
trata das imagens da memória de uma forma delicada a partir do
signo do encontro,
transitando entre o real e o
fabulado e desembocando numa obra rica em poesia. Outros dois
documentários a que assisti estão disponíveis na Netflix. “Ícaro”
me chama atenção por escancarar uma realidade comum aos
documentaristas: a impossibilidade de fechar sua obra em si. O
cineasta claramente tinha um objetivo, mas as circunstâncias abriram
uma possibilidade ainda maior de debater um dos assuntos mais
polêmicos da história recente do esporte: os escândalos envolvendo
doping na Rússia. Já “Strong Island” escancara
o tratamento seletivo oferecido pelos sistemas judiciário e policial
dos Estados Unidos aos negros, buscando encontrar respostas para o
não julgamento de brancos acusados de assassinar um negro – irmão
do diretor do filme – no início dos anos noventa. Caso “Strong
Island” saia vencedor, e tal
possibilidade deve ser considerada tomada a importância do debate
suscitado pelo filme, será a primeira vez que um homem trans subirá
ao palco do Dolby Theater para receber um Oscar – algo que seria
fantástico de testemunhar.
MELHOR
FILME DE ANIMAÇÃO –
Animação
é filme! Tendo
visto os cinco indicados na categoria, diria que é quase impossível
“Viva:
a vida é uma festa” não
receber a estatueta. O trabalho é brilhante nos mínimos detalhes,
resultando em um espetáculo de cores e música em um importante
olhar para a diversidade. Devo ressaltar, no entanto, o trabalho
técnico empreendido em “Com
amor, Van Gogh”,
um processo ambicioso e de resultado artístico belíssimo (uma pena
que o roteiro não alcance o mesmo nível) e a bela história contada
em “The
breadwinner”
(o único dos indicados que, a meu ver, poderia surpreender, algo
que, acredito, não ocorrerá).
MELHOR
FILME ESTRANGEIRO –
O melhor dos indicados à categoria de melhor filme estrangeiro é
“Corpo
e alma” (Hungria),
mas a disputa ficará entre “Uma
mulher fantástica” (Chile)
e “The
square – a arte da discórdia”
(Suécia) com – e eu torço para isto – vantagem para o
representante chileno.
MELHOR
ROTEIRO
ADAPTADO
– O
que dizer sobre James Ivory? Dispensa qualquer apresentação. Ivory
é um cineasta veterano que, apesar das quatro indicações
(incluindo a atual), nunca ganhou o Oscar. Tudo indica que, este ano,
essa história chega a um final com um adendo importante: Ivory pode
se tornar a pessoa mais velha a vencer um Oscar. Não seria um
exagero dizer que o prêmio é merecido – não apenas pelo conjunto
da obra, mas pela excelente adaptação que ele realizou do livro de
André Aciman. Explorando as nuances da descoberta amorosa, “Me
chame pelo seu nome”
consegue
ser fiel à ideia da obra original, uma vez que, optando por cortar
passagens do livro e adaptado outras, Ivory elaborou um estudo de
personagens muito delicado, digno de sua filmografia e merecedor dos
prêmios que vem adquirindo.
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL – Muito mais que aquilo que conta, a
qualidade de um filme está na forma como ele conta. Tal afirmativa
pode incidir tanto no roteiro quanto na direção e a cumplicidade
entre os dois elementos é fundamental para, ao menos, iniciar uma
boa narrativa – afinal, o diretor será o responsável por traduzir
intersemioticamente o texto em imagem. Em 2017, uma obra surpreendeu
justamente pela originalidade em debater um tema atual e de suma
importância de uma forma coesa, crua, utilizando bem os elementos
cinematográficos a fim de criar tensão e medo. Estou falando de
“Corra!”. A
categoria de melhor roteiro original deste ano está entre as mais
disputadas e os cinco indicados são dignos de ali estarem. “Corra!”,
no entanto, atinge um patamar diferenciado, pois, ao mesmo tempo que
cria uma narrativa atraente, apresenta uma crítica social poderosa,
optando por aportar em um gênero que
revela-se como ideal para o debate; basta lembrarmos que o racismo é,
ainda em 2018, uma narrativa de terror para inúmeros cidadãos mundo
afora e que as luzes de uma sirene policial,
que, a princípio, deveriam indicar segurança, para muitos ainda é
sinal de preconceito e abusos. O
filme venceu a categoria de roteiro original pelo sindicato,
indicando que, muito provavelmente, sairá vencedor no Oscar.
MELHOR
ATOR COADJUVANTE
– A
delicadeza com que Bobby lida com as pessoas que vivem na hospedagem
onde trabalha demonstra ser ele um homem bom. O fato de, às vezes,
ter de ser duro com elas cria um sentimento ambíguo que transforma
Bobby em um personagem multidimensional, o
qual
Willem
Dafoe
alça
a um patamar que supera a ilusão da quarta parede nos filmes. Graças
a belíssima performance do sempre competente Dafoe, meu voto seria
para ele e sua atuação em
“Projeto
Flórida”,
o
filme mais esnobado do Oscar 2018. Sobre seus concorrentes, destaco a
dupla de “Três
anúncios para um crime”
(o favorito na categoria é Sam Rockwell). Richard Jenkins com uma
performance que não me enche os olhos (colocaria em seu lugar
Michael
Stuhlbarg pelo seu trabalho em “Me
chame pelo seu nome”)
e Christopher Plummer, cujo trabalho em “Todo
o dinheiro no mundo”
não vi fecham a lista de indicados.
MELHOR
ATRIZ COADJUVANTE
– Sempre
defendo a consistência de um coadjuvante diante de um grande
protagonista. À exceção de Mary J. Blidge (“Mudbound:
lágrimas sobre o Mississipi”),
todas as indicadas na categoria de atriz coadjuvante dividem a cena
com um protagonista indicado em sua respectiva categoria, apontando o
valor da cumplicidade entre esses personagens. A favorita do ano é
Allison Janney (“Eu,
Tonya”),
vencedora do Globo de Ouro, do SAG e do Bafta. Meu voto, entretanto,
iria para Lesley
Manville
e sua poderosa atuação em “Trama
fantasma”.
Fazer frente a Daniel Day-Lewis já é um desafio e tanto para
qualquer um, mas a forma como Manville transmite a ambiguidade de sua
personagem, uma figura que não cede diante da disputa de poder e do
ambiente tóxico na qual se encontra, é sensacional.
MELHOR
ATOR – Diria
que quatro dos cinco indicados a esta categoria merecem estar aqui. O
roteiro de “Roman
J. Israel, Esq.”
se perde muito ao longo da narrativa, minando as possibilidades de um
ator competente como Denzel Washington realizar um trabalho à altura
da indicação que recebeu. Seus concorrentes, por outro lado,
conseguem realizar concepções muito interessantes de seus
personagens: dois originais, um baseado em um livro e outro
histórico. Desde que vi “Me
chame pelo seu nome”
no Festival do Rio (e lá se vão mais de quatro meses), repito o
quanto me surpreendeu a performance de Timothée Chalamet como Elio.
A expressão corporal, respiração e dicção são dignas de
qualquer prêmio e não seria uma surpresa ruim caso fosse anunciado
vencedor. A sua juventude frente à grandeza de um ator como Gary
Oldman
(“O
destino de uma nação”)
não
depõe contra ele, mas o caso é que o britânico possui uma carreira
consolidada sem o reconhecimento da Academia e tudo indica ter
chegado o momento dele. Oldman não utiliza a pesada caracterização
como muleta para escolhas mal realizadas (e
o fraco roteiro do filme poderia levá-lo a isso),
mas se alia a ela para chegar a uma performance ímpar e aqueles que
lembrarem de “Drácula
de Bram Stoker”
hão de concordar que essa capacidade não é de hoje. O outro
britânico indicado na categoria dispensa qualquer comentário;
Daniel Day-Lewis é um dos melhores atores em atividade e o anúncio
de sua aposentadoria – caso seja cumprida – é um duro golpe para
os amantes de cinema (ao menos, é uma escolha feita em um momento de
muita inspiração, pois sua performance em “Trama
Fantasma”
é sensacional). Já Daniel Kaluuya concebe um personagem que
transmite
com
um olhar muito expressivo todo reconhecimento
de estar imerso em um meio carregado por um racismo velado.
MELHOR ATRIZ – Não sou fã declarado de “Três
anúncios para um crime”,
mas não posso negar o poder de seu elenco. Frances
McDormand não precisa de
apresentações e, neste trabalho, confirma toda a sua capacidade
enquanto atriz. As nuances de Mildred Hayes, personagem a quem dá
vida, tornam latente todo o sofrimento não só da mãe que perdeu
sua filha de forma extremamente violenta, mas também da mulher que
ainda convive sob a sombra de um casamento abusivo. Vinte e um anos
após vencer seu primeiro Oscar por “Fargo”, é
chegada a hora de McDormand subir novamente ao palco da maior
premiação da indústria cinematográfica e receber merecidamente
mais uma estatueta dourada. A respeito de suas concorrentes: destaco
as expressões corporais de Meryl Streep em “The post –
a guerra secreta”,
demonstrando seu domínio da personagem, uma mulher forte e acuada
por um ambiente machista, e de Sally Hawkins, transmitindo a solidão
em que sua personagem se vê em “A forma da água”.
Saoirse Ronan, por sua vez, também consegue entregar uma personagem
multidimensional em “Lady
Bird: a hora de voar” e que
varia momentos de afeto e revolta – variando entre uma postura
infantil e adulta – tão típica da adolescência; o destaque está
justamente no fato dela fazer isso sem se tornar caricata ou
estereotipada. “Eu, Tonya”,
por outro lado, me incomoda e sinto que a atuação de Margot Robbie
(e devo reconhecer que ela faz o possível com o que lhe é entregue)
fica prejudicada pelo roteiro que, assumindo o desafio de tratar
fatos cujas versões nunca foram devidamente provadas, torna-se
ambicioso demais, dando a impressão de não cumprir aquilo a que se
propõe, ficando dependente de narrações em off.
MELHOR
DIREÇÃO
– Cinco
grandes
desafios colocam
frente a frente cinco profissionais talentosos – cada um com suas
peculiaridades, alguns investindo em gêneros nos quais dificilmente
eu imaginaria estarem um dia. Jordan Peele é conhecido pelo gênero
humor e buscou nos filmes de horror uma forma de expressar o racismo
velado que, mesmo não sendo um fator recente na sociedade americana,
ganhou uma nova forma de se colocar na era pós-Obama (“Não
somos racistas! Votamos no Obama!”).
Christopher Nolan, diretor constantemente cogitado para o Oscar,
consegue sua primeira indicação pela direção de um filme de
guerra – quando
“Dunkirk”
foi anunciado, fiquei curioso em ver Nolan diante de um filme do
gênero e foi com positiva surpresa que vi sua opção por esconder o
inimigo, apostando em sua invisibilidade para transmitir a incerteza
de sobrevivência e a tensão proveniente disso. Paul Thomas
Anderson, grande surpresa do ano, investe no mundo da moda e da
aristocracia para tratar de uma relação tóxica, apostando na
sonoridade para transmitir os incômodos consequentes dessa relação.
Guillermo Del Toro, caso vença – e é favorito após o prêmio do
sindicato – confirmará o domínio do México nesta década, pois
será a quarta vez em menos de dez anos que um mexicano receberá
Oscar de direção (Alphonso Cuarón venceu por “Gravidade”
e Alejandro González Iñarritú venceu por “Birdman”
e “O
regresso”).
A escolha da Guerra Fria como ambientação e de retratar uma mulher
latina, uma negra, um homossexual e uma criatura humanoide incapazes
de expressar seus reais sentimentos dentro de um mundo preconceituoso
ganha ecos na sociedade atual – fator que pode explicar o grande
sucesso que o filme adquiriu na temporada de prêmios. Lógico que
isso não seria alcançado se não fosse o bom trabalho da direção
em guiar a
narrativa. Não obstante tudo que afirmei, meu voto iria para a
delicada direção de Greta
Gerwig
em “Lady Bird: a
hora de voar”.
A partir de uma história intimista, Gerwig consegue transmitir as
angústias de uma geração que se vê reivindicando e encarando as
contradições da busca por uma identidade; ela guia os personagens
de forma segura e fluida sem deixar que sua narrativa se perca.
MELHOR FILME – A votação para melhor filme é feita de
forma distinta às outras categorias e o votante deve indicar
numericamente e em ordem de preferência TODOS os candidatos na
categoria (sendo necessário que ele comprove que assistiu a todos os
indicados). O vencedor, portanto, pode ser declarado somente após
vários ciclos de contagem de votos. Isso se dá, porque, caso o
filme mais vezes colocado em primeiro lugar na preferência dos
votantes não atinja a maioria absoluta, os votos são recontados a
partir das produções escolhidas para o segundo lugar na preferência
dos votantes, eliminando-se o último colocado da rodada anterior. O
rito se repete até que um filme tenha conquistado mais da metade da
preferência dos votantes – não sendo, necessariamente, o primeiro
colocado na primeira rodada de contagem. Assim sendo – e tendo
assistido a todos os concorrentes do ano –, apresento minha escolha
para categoria da mesma forma que teria de apresentar caso fosse
membro votante da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
(AMPAS). Qual filme me surpreendeu mais positivamente? O prêmio do sindicato dos produtores foi para “A forma da
água” em um indicativo do provável vencedor da noite do dia 04.
1. Lady Bird: a hora de voar
2.Trama Fantasma
3. Corra!
4. Me chame pelo seu
nome
5. A forma da água
6. Três anúncios
para um crime
7. Dunkirk
8. The post – a
guerra secreta
9. O destino de uma
nação
Nenhum comentário:
Postar um comentário