quinta-feira, 19 de maio de 2011

CREPÚSCULO DOS DEUSES (Sunset Boulevard – EUA, 1950)

Direção: Billy Wilder

            Se Charles Foster Kane, lendário protagonista daquele que é considerado o melhor filme de todos os tempos – Cidadão Kane, abriu as portas da mídia impressa norte-americana, mostrando aos mundos seus podres e os métodos nem sempre honestos de se alcançar o poder, Norma Desmond  tem o mesmo mérito em relação à indústria cinematográfica dos Estados Unidos pós Star System. Diante disso, é fácil entender o porquê de Crepúsculo dos Deuses ser um filme ousado – mesmo hoje – e o fato de não ter sido unanimidade à época de seu lançamento.
            Joe Gillis é um roteirista à beira do fracasso que não consegue convencer nenhum estúdio a produzir seus roteiros. Endividado e perseguido por alguns agiotas, Gillis acaba encontrando refúgio em uma enorme mansão que pensa estar abandonada. Lá ele conhece uma antiga atriz de filmes mudos, Norma Desmond, cuja vida limita-se a ficar enclausurada em sua casa juntamente com seu criado Max Von Mayerling. A partir desse encontro, eles tentarão reconstruir suas carreiras juntos, criando uma relação entre os dois que ultrapassa os limites do meramente profissional.
Buscando fugir da linguagem narrativa clássica – uma série de convenções da sintaxe cinematográfica que dominam, até hoje, a forma de se contar uma história em filme e cuja instituição é direcionada ao nome de D. W. Griffith e seu filme O Nascimento de uma Nação – o filme de Billy Wilder começa pelo fim, quando a polícia chega a casa de Desmond para investigar uma denúncia de assassinato. Boiando na piscina da residência está o corpo de Gillis, o qual inicia – mesmo morto – a narrar todos os acontecimentos que acompanharemos dali em diante. O famoso narrador-defunto que Machado de Assis trouxe em seu famoso romance Memórias Póstumas de Brás Cubas e que causou certo espanto no limiar do século passado em Beleza Americana se torna um elemento ousado para a época que Wilder lançou sua película. Além disso, vale atentar para a grandiosidade da direção de arte, representada, principalmente, pela mansão de Desmond – a transformação que eleva do fracasso da piscina cheia de ratos e da quadra de tênis entregue ao abandono à redenção testemunhada nesses cenários. Entretanto, se engana quem pensa que essa transformação acompanha uma redenção dos personagens protagonistas, quando, na verdade, ela está intimamente relacionada, unicamente, à emoção de Norma Desmond, que encontra em Gillis uma válvula de escape para a carência que experimenta ao longo dos seus solitários anos, além dele representar uma nova chance para ela no cinema.
E, se citamos Norma Desmond, não podemos deixar de lado a magistral composição dada a ela pela atriz Gloria Swanson – entregue emocionalmente e fisicamente à personagem. Swanson oferece a Desmond um ar de diva, uma estrela cadente que se recusa a apagar e seus movimentos grandiosos e, muitas vezes exagerados, remetem ao próprio status de grande atriz do cinema mudo que ela insiste em ostentar. Aliás, essa condição é traduzida por uma das melhores falas do filme – e, por que não, do cinema – ela, ao ser abordada por Gillis como uma atriz que era grande nos tempos de cinema mudo, responde sem titubear: Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos. Já Joe Gillis, vivido pelo ator William Holden, o qual poderia ser suprimido por Swanson, consegue manter o embate sempre à altura, lançando mão de um olhar irônico que denuncia sua crença em uma superioridade que não possui. É justamente seu convívio com o fracasso que fará com que reveja seus métodos e aceite, inclusive, a ajuda de outra escritora para criar um novo roteiro.
Muito além de um simples filme sobre dois profissionais da sétima arte em busca do reconhecimento de seus trabalhos, Crepúsculo dos Deuses é uma grande e ácida crítica aos grandes estúdios de Hollywood e seus métodos que, na busca pelo lucro desenfreado, acabam desvalorizando o trabalho de inúmeros profissionais ou jogando diversos de seus astros ao ostracismo. Billy Wilder teve a coragem de mostrar o que há por debaixo dos tapetes vermelhos e a presença de um grande diretor de cinema como Cecil B. DeMille em cena, interpretando ele mesmo, só oferece credibilidade à denúncia que testemunhamos na tela. Sem dúvida, um dos meus filmes favoritos de todos os tempos e não posso terminar essa resenha sem chamar atenção para a última seqüência da película, a qual, óbvio, não irei contar e, sim, elogiar, pois a sensação que tive ao assisti-la é a mesma que todos aqueles personagens demonstram como testemunhas da descida de Norma Desmond, ou seria Salomé, pelas escadarias rumo ao seu grande close. Seqüência, essa, que se manifesta como extremamente atual, uma vez que podemos nos perguntar se as estrelas de cinema, hoje, são mais conhecidas pela sua competência em cena ou se pela vida íntima e seus escândalos intrínsecos.