Autor:
James Joyce
Aceitei
o desafio... só que não. Não serei iniciado no escritor irlandês
por Ulisses. Seria uma falta de respeito. Quando tomo um livro
em minhas mãos, é como um movimento de saudação àquele que o
escreveu. Enveredar-se nas tramas de Ulisses, no momento
atual, sem nenhum contato prévio com a obra de Joyce, seria uma
tentativa soberba de autoconvencimento. Não. É preciso baixar a
crista – não a cabeça – e se deixar imergir no universo de um
dos escritores mais intrigantes da literatura mundial. Leitor
passivo, que deixa o universo diegético envolvê-lo em um movimento
catártico. Leitor passivo... Joyce veio a mim e não o contrário.
Apenas me apercebi lendo sua obra de estreia e nada me conforta mais
que ser abraçado por uma obra literária. Sentir a obra sem impor
vontades próprias, tal qual uma meditação humilde – um silêncio
rumo ao arrebatamento da autodescoberta. Papel da arte. Aceitei o
desafio. Et ignotas animum dimittit in artes.
Era
uma vez um menino infeliz no trabalho e emergindo do marasmo
chega-lhe Retrato do artista quando jovem.
O silêncio proveniente desse encontro abre as mais profundas portas
do imaginário e da memória – o
imponderável. É possível
(s)ter
um Stephen Dedalus em vida? É
possível, tal qual Dédalo, personagem mitológico que empresta seu
nome ao protagonista (alter
ego de Joyce) fazer brotar do
labirinto, a partir do tomar consciência de si, a motivação
suficiente para deixar tudo para trás e rumar ao desconhecido –
lançar-se na sombra.
Stephen Dedalus atende ao chamado da vida. Não me surpreenderia se o
jovem partisse cantarolando em versos: “deixe-me ir, preciso andar.
Vou por aí a procurar. Sorrir para não chorar”.
Assim
como o personagem mitológico, Stephen constrói um labirinto de
dúvidas que permeia entre a religiosidade e o dom artístico e que é
habitado pela, muitas vezes monstruosa, relação que mantém com a
família, os amigos e a pátria – mas
também a religião e a arte.
Cabe ao artífice Dedalus o papel de construir suas asas e é através
da linguagem que acompanhamos a construção desse personagem ímpar.
Romance
de formação por excelência, O retrato do artista quando
jovem evolui de acordo com o
amadurecimento artístico, filosófico, linguístico
e social do personagem que se
envolve em angústias frente à necessidade de encontrar seu papel no
mundo. Estudante de uma
instituição jesuíta, o discurso religioso é fundamental para
construção de seu caráter e é, ao mesmo tempo, sua redenção e
seu pavor – seu primeiro
contato com a filosofia e com
a hipocrisia; sua forma de lidar
com a crise e a promiscuidade
através do medo. Sua gradual
abdicação das instituições – religião, família e pátria –
dá-se a partir do seu contato com a arte e
com o mundano, todavia não
ocorre sem antes trafegar entre os pratos dessa balança:
“Da
porta da taverna de Byron até o portão da Clontarf Chapel, do
portão da Clontarf Chapel à porta da taverna de Byron e depois mais
uma vez de volta à capela e depois mais uma vez de volta à taverna
ele havia caminhado devagar no início, plantando os pés com todo o
cuidado nos espaços dos retalhos que compunham, a calçada para
então deixar os passos caírem no ritmo dos versos (…) Por uma
hora inteira tinha andado de um lado para o outro, esperando: mas não
havia mais como esperar.”
Seus
desejos entram em conflito com os
almejos guardados para ele. As projeções provenientes da família,
da escola, dos amigos e da sociedade em geral vão de encontro ao
sentimento de si e para Stephen Dedalos não resta alternativa senão
partir para o continente a fim de se encontrar.
“ela reza para que eu possa aprender na minha vida e longe de casa e dos amigos o que é o coração e como ele sente. Amém. Que assim seja. Bem-vinda, ó vida! Saio para encontrar
pela milionésima vez a realidade da experiência e para criar na
forja da alma a consciência ainda não criada da minha alma.”
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