A
interrupção prematura da vida de alguém é sempre motivo de
comoção entre todos. Para alguns – à proporção da proximidade
afetiva – as emoções despertadas em tais momentos podem ser
maiores ou menores. Curioso atentar para o fato de que, muitas vezes,
essas emoções são afloradas por pessoas com as quais, a princípio,
não guardamos qualquer vínculo de proximidade – são, antes de
mais nada, figuras às quais nos ligamos por simpatia, admiração,
decepção ou raiva. Há quase duas semanas, enquanto milhares e
milhares de pessoas se comoviam ou se questionavam sobre a comoção
diante da morte do jovem Cristiano Araújo, vítima de um acidente
automobilístico que interrompeu sua carreira de cantor, eu ainda me
via tomado pela reflexão incutida em meu íntimo pela morte também
prematura do compositor James Horner, vítima de um acidente aéreo
apenas dois dias antes.
Cristiano
tinha a minha idade, logo não é de se estranhar que sinta um
profundo pesar por uma vida interrompida em seu fluxo mais intenso,
no auge do seu sucesso e de sua potência criativa (não falo apenas
em sentido artístico, não conheço a obra dele a ponto de afirmar
algo sobre ela, mas não posso deixar de pensar nas coisas que ele
construiu em sua curta existência junto às pessoas que amava e
àquelas que, talvez, nunca tenha conhecido e que, de alguma forma,
foram tocadas pela sua figura).
Quanto
a Horner, este compositor norte-americano de sessenta e um anos teve
papel importante em minha formação pessoal. Ao receber a notícia
de sua morte, fui tomado por um sentimento de vazio que não lembro
ter sentido por outro artista. Um vínculo que ultrapassa a admiração
parecia ter sido cortado de forma abrupta. Através de Horner,
aprendi a amar a música de cinema. Era de Horner a primeira trilha
sonora que escutei por completo. Era de Horner o primeiro CD de
trilha sonora que ganhei em minha vida. Para que não haja dúvidas,
refiro-me à trilha sonora de Titanic. À época, muitos
me questionavam sobre essa admiração doida pela música
instrumental contida naquele álbum, como se a única música
realmente relevante fosse My heart will go on, composta
por Horner, escrita por Will Jennings e entoada por Céline Dion (em
franca decadência na época e cuja carreira seria resgatada pelo
sucesso estrondoso do tema de amor do filme). O fato é que a canção
foi executada à exaustão pela mídia – venceu o Oscar, o Globo de
Ouro, o Grammy – e, provavelmente por isso, é reconhecida como uma
das músicas mais irritantes de todos os tempos, embora, temos de
admitir, amoleceu corações apaixonados por todo o planeta. Mas a
banda sonora de Titanic ia muito além com suas
composições tomadas em vários momentos pela sonoridade da gaita
irlandesa e pelas vozes suaves que parecem nos transportar a uma
viagem pelos mares do Atlântico Norte. A tranquilidade somente perde
espaço para os acordes fortes das peças que compõem o momento do
naufrágio do transatlântico.
Mais
de quinze anos depois, ainda me percebo entoando de memória os
acordes que abriram espaço para conhecer outros grandes nomes da
música de cinema: Philip Glass, Ennio Morricone, John Williams,
Bernard Herrmann, Vangelis, John Barry, Alexandre Desplat, Antônio
Pinto, para citar alguns. Além disso, abriu espaço para admirar
outros dos seus trabalhos ao longo dos tempos: Uma mente
brilhante e Coração Valente são meus trabalhos
favoritos dentre suas obras. Não poderia deixar de pensar no
silêncio orquestral que se fez diante de sua morte e das inúmeras
melodias que nunca escutaremos. Como forma de consolo – como forma
de presente à humanidade – ficam suas riquíssimas composições,
sua potência criativa e a esperança de que elas nunca sejam
colocadas de lado como muitos quiseram que fizesse quando, aos onze
anos de idade, ganhei minha primeira trilha sonora original de
cinema.
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