Direção: Michel Hazanavicius
O cinema vive um momento muito curioso. A popularização do 3D nas salas de exibição em todo mundo trás consigo os questionamentos sobre até que ponto essa tecnologia irá crescer e se, no futuro, será capaz de substituir as salas tradicionais. Ora, falar em tradição em uma história de cento e dezesseis anos (serão dezessete em dezembro) é algo complicado, tendo em vista que o cinema já passou por diversas condições como a que testemunhamos e, sempre, foi capaz de se reinventar e manter sua chama acesa. No passado, a sétima arte já teve de conviver com a possibilidade de contar histórias – para além do simples registro de imagens em movimento – sofrendo o preconceito de outras formas de arte como o teatro e, além disso, foi capaz de sobreviver à crise da televisão e do videocassete. Entretanto, de todas as situações adversas – melhor chamar de situações geradoras de questionamentos inflamáveis – aquela que emerge na lembrança de todo cinéfilo é a entrada do som e da fala no cinema e é a essa fase da historiografia cinematográfica que o filme O Artista, de Michel Hazanavicius, nos leva.
A década de vinte já vivia a experiência dos grandes estúdios de Hollywood(land), da linguagem narrativa clássica popularizada em meados da década anterior pelo controverso Nascimento de uma Nação e sob a imagem do star system, o qual transformava atores e atrizes em ícones da cultura – símbolos da nação. Nesse contexto, surge a figura de George Valentin (um misto de Errol Flynn e Douglas Fairbanks), unânime junto ao público, distribuindo sorrisos para todos os lados, exercendo seu papel de ícone. É no auge do seu sucesso que uma série de acontecimentos irá transformá-lo – a começar pelo seu encontro com a postulante a atriz Peppy Miller. Esse encontro – quase que casual – torna-se a grande chance de Miller que, ao ser fotografada dando um beijo em Valentin, encontra na capa de um jornal a possibilidade de se agarrar em seu sonho, cuja realização se dá gradativamente ao ganhar papéis, cada vez, mais notáveis. Em contrapartida, Valentin convive com dificuldades junto a sua esposa e com os novos projetos do estúdio, o qual pretende abrir espaço para as produções sonoras. A partir desse momento, o espectador se vê diante de uma inversão de papéis, observando a ascensão de Peppy e o declínio de George – cujo preconceito em relação ao som no cinema, bem como o orgulho exacerbado, reflete-se, assim como ocorreu com vários atores daquela época, na perda de papéis importantes; interessante notar essa inversão em uma seqüência em que os dois atores se encontram em uma escada, onde, notoriamente, percebemos Miller dirigindo-se para cima e Valentin para baixo (plano muito bem composto por Hazanavicius).
E já que mencionei o nome de Hazanavicius, é importante parabenizar o trabalho do diretor que ousou (porque não dizer) em conceber um filme sobre um dos períodos mais interessantes do cinema (muitas vezes levado às telas, vide Cantando na chuva e Crepúsculo dos Deuses), mas lançando mão de uma produção muda – não há falas em O Artista. Curioso notar que tal escolha favoreça um dos elementos que mais saltam aos olhos (ou aos ouvidos) nessa produção que é o som – a trilha sonora do filme é muito bem concebida. Ao assistir a O Artista temos a sensação de estarmos diante de uma verdadeira obra cinematográfica da década de vinte, tamanha a qualidade da reconstituição de época feita pela direção de arte e pelo figurino. Muito além de um filme sobre o cinema mudo, O Artista de renovação, de saber lidar com o novo, adaptar-se à novidade a fim de sobreviver – algo que, como já comentei, o cinema fez muito ao longo dos anos – e, se a história narrada não tem grandes pretensões do ponto de vista da linguagem (o filme segue a cartilha de D. W. Griffith), ainda sim é possível encontrar elementos muito interessantes como determinado som ofegante no ato final do filme e o melhor “bang” catártico que lembro ter visto nos últimos anos – mas isso só dá para discutir com quem assistiu ao filme.
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