quarta-feira, 31 de agosto de 2011

JOSÉ E PILAR (Portugal, Espanha e Brasil – 2010)


Direção: Miguel Gonçalves Mendes

Existem filmes aos quais as palavras não se aplicam no sentido de defini-los. Assistir, por si só, torna-se a definição, uma vez que a sensação proveniente da tela (e, claro, das caixas de som) encerra qualquer possibilidade afim. Ao se tratar de um documentário recheado de declarações do escritor português José Saramago, tem-se certeza de que o filme fala por si próprio. Isso, claro, se a produção tiver sensibilidade para construir uma narrativa capaz. Felizmente, José e Pilar é competente nesse sentido – o que acaba transformando a película em um grande tributo a seu protagonista, tendo em vista seu lançamento pouco após a sua morte, ocorrida em junho de 2010.
            Partindo do processo de concepção do romance A Viagem do Elefante, Miguel Gonçalves Mendes nos apresenta o dia a dia de Saramago juntamente com sua esposa, a jornalista Pilar Del Rio. Logo percebemos que a ela cabe a responsabilidade de filtrar correspondências e compromissos do marido cuja idade avançada surge como elemento fundamental para tais incumbências e esse fato faz com que Pilar não hesite em lançar mão de seu gênio forte no intuito de equilibrar o bem estar e a agenda cheia de Saramago. Já a Saramago, cabe sua consciência de escritor e cidadão, ressaltada por suas divagações acerca dos mais diversos assuntos – seja política, religião, família, vida e morte. Aliás, a morte é um dos temas mais visitados pelo documentário – ou, melhor, por Saramago. Não são raras as vezes em que testemunhamos o ganhador do Nobel de Literatura refletindo sobre o tempo que lhe resta, aquilo que gostaria de fazer e sua negação ao medo à morte – algo, até certo ponto, discutível, pois os próprios acontecimentos vistos no filme o levam a refletir sobre o fim da vida e suas conseqüências em sua obra e família.
            Outro elemento importante – talvez o mais – está ligado ao relacionamento entre marido e mulher. O amor torna-se uma construção extremamente poética em José e Pilar, estruturada em mínimas cenas ou planos que nunca assumem um caráter piegas. A cumplicidade observada no casal é deslumbrante e ela cresce à medida que testemunhamos certo definhamento em Saramago, fruto das constantes viagens que fez em seus últimos anos de vida.
            Aberto às críticas, crítico feroz da Igreja, gênio da escrita, José Saramago teve papel fundamental na divulgação da literatura lusófona ao redor do mundo e, por isso, torna-se irônico perceber o grau de indiferença proveniente de sua terra natal durante tantos anos – algo que só foi retratado poucos tempo antes de seu falecimento. A política também faz parte do filme e, como resulta sempre em discussões calorosas, não se pode deixar de fazer menção à cena em que marido e mulher discutem suas preferências para a presidência dos Estados Unidos.
            José e Pilar é um filme premiado por excelência. Além de contar com depoimentos de Saramago e Pilar, ainda possui uma fotografia muito eficaz e planos muito bem construídos; reparem no momento em que Pilar dá uma de diretora (ao melhor estilo Leni Riefenstahl) e pede ao motorista que pare o carro para que possa trocar de lugar com o esposo a fim de possibilitar ao câmera um plano mais simbólico.
            Mesmo morto, a obra de Saramago ainda perdurará por muito tempo (pela minha eternidade, pelo menos) e o documentário de Miguel Gonçalves Mendes pode ser reconhecido como um dos responsáveis por eternizar esse gênio da língua portuguesa – gênio da Literatura.

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